Lula discursou durante cerca de 20 minutos, mas ignorou a crise gerada pelo governo de Nicolás Maduro -  (crédito: ANGELA WEISS/AFP)

Lula discursou durante cerca de 20 minutos, mas ignorou a crise gerada pelo governo de Nicolás Maduro

crédito: ANGELA WEISS/AFP

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu, na abertura na Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), a reforma da entidade, o controle nacional sobre as redes sociais, a sustentabilidade do planeta, o combate à fome e o fim das guerras da Ucrânia e Gaza. Novamente, se colocou como voluntário à negociação dos conflitos e porta-voz do chamado Sul Astral, os países emergentes do hemisfério. Lula discursou por quase 20 minutos e seguiu um roteiro preparado pela equipe de diplomatas que o acompanhou, entre os quais o chanceler Mauro Vieira e o assessor especial Celso Amorim. Entretanto, passou ao largo do tema mais polêmico do subcontinente, as eleições da Venezuela, um mico no seu colo.

 


O alvo das críticas de Lula sobre as redes sociais foi o quase trilionário Elon Musk, dono da X, cuja atuação no país está suspensa pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Lula defendeu o direito de cada país “legislar, julgar disputas e fazer cumprir as regras dentro de seu território, incluindo o ambiente digital”. Segundo Lula, “a liberdade é a primeira vítima de um mundo sem regras”. Lula defende a regulamentação das redes sociais e da atuação das “big techs”. O viés nacionalista do discurso de Lula, porém, esbarra no debate sobre a liberdade de opinião, um dos temas do enfrentamento de Musk com o ministro Alexandre de Moraes, que suspendeu a atuação da rede no Brasil por não se submeter à legislação brasileira.

 


Sobre a Palestina, Lula não falou de genocídio, Holocausto e crimes de guerra, como em ocasiões anteriores, o que gerou uma crise diplomática com Israel. Entretanto, classificou o que está acontecendo em Gaza e na Cisjordânia como “uma das maiores crises humanitárias da história recente, e que agora se expande perigosamente para o Líbano”. Disse que “o que começou como ação terrorista de fanáticos contra civis israelenses inocentes, tornou-se punição coletiva de todo o povo palestino” Para Lula, o direito de defesa “transformou-se no direito de vingança, que impede um acordo para a liberação de reféns e adia o cessar-fogo”. Os diplomatas israelenses foram os únicos não aplaudiram o presidente brasileiro.


O presidente brasileiro foi cauteloso ao tratar da Ucrânia. Disse que o Brasil condenou a invasão do território ucraniano pela Rússia, mas defendeu que os dois países abram negociações imediatas para acabar com a guerra. Recentemente, Lula conversou por telefone com o presidente russo Vladimir Putin, que o cacifou para mediar o conflito, mas precisa combinar com Volodymyr Zelensky, os Estados Unidos e a União Europeia. Na prática, o Brasil está mais próximo da China e da Rússia do que do presidente Biden nesta questão.


Uma reivindicação histórica da diplomacia brasileira foi reiterada pelo presidente Lula: a reforma da ONU e do Conselho de Segurança, no qual o Brasil não tem um assento permanente. “A exclusão da América Latina e da África de assentos permanentes no Conselho de Segurança é um eco inaceitável de práticas de dominação do passado colonial”, disse. "Estamos chegando ao final do primeiro quarto do século XXI com as Nações Unidas cada vez mais esvaziadas e paralisadas", disse.


Momento delicado

 

China, Estados Unidos, França, Reino Unido e Rússia são os membros permanente do Conselho de Segurança da ONU, que é formado por 15 membros. Como têm poder de veto, esses cinco países, os grandes vencedores da II Guerra Mundial, são os menos interessados na reforma do Conselho. E como são países com interesses estratégico-militares distintos e, geralmente, envolvidos em conflitos, exercem o poder de veto de acordo com os seus interesses, um fator de enfraquecimento da ONU, como ficou evidente nas guerras da Ucrânia e de Gaza.



Não foi o melhor momento para o presidente Lula falar sobre sustentabilidade, por causa da crise climática no Brasil, tomado por incêndios florestais e muita fumaça nas cidades. Na defensiva, disse que o governo brasileiro “não terceiriza responsabilidades nem abdica da sua soberania. Já fizemos muito, mas sabemos que é preciso fazer mais”, disse. Citou as enchentes no Rio Grande do Sul como um exemplo, junto aos incêndios, da necessidade de medidas mais urgentes e profundas dos líderes globais. A cobrança em relação à maior participação dos países ricos no enfrentamento das questões ambientais faz todo sentido. Entretanto, o Brasil vive uma contradição entre a necessidade de preservar seus biomas e a intensificação da exploração de petróleo e produção de combustíveis fósseis.


Os velhos compromissos de Lula com os líderes da esquerda latino-americana também impregnaram seu discurso na ONU. Subliminarmente, Lula responsabiliza os países desenvolvidos por mais “uma década perdida”, como se as lideranças latino-americanas não fossem grandes responsáveis por esse fracasso. Manteve a tradicional crítica ao embargo dos Estados Unidos a Cuba – o Brasil doutrinariamente é contra medidas econômicas punitivas dessa ordem, ressaltou a dramática situação do Haiti e, simplesmente, ignorou a Venezuela, cujo presidente, Nícolas Maduro, fraudou sua própria reeleição e persegue violentamente a oposição.

 

Pato manco

 

A participação do homem mais poderoso do mundo na Assembleia-Geral da ONU, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, foi uma despedida da política internacional, a poucos meses das eleições norte-americanas. Biden foi um dos artífices do maior isolamento impostos à Rússia na Europ, desde a Segunda Guerra Mundial, a partir da invasão da Ucrânia, porém, expõe toda a sua fraqueza na Guerra de Gaza, que agora se estende ao Líbano, porque perdeu o controle sobre o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu.