“Tudo que é sólido desmancha no ar” é um best-seller do norte-americano Marshall Berman (1940-2013). Desde o uso da expressão “moderniste”, por Jean-Jacques Rousseau, na gênese do Iluminismo, descreve o processo de modernização e o modernismo no Ocidente, até os anos 1970, através de ícones como o Palácio de Cristal de Joseph Paxton, os bulevares parisienses de Haussmann, os projetos de Petersburgo, as rodovias de Robert Moses que cruzam Nova Iorque e as vidas de pessoas como Goethe, Marx e Baudelaire.

 



“Tentei mostrar como essas pessoas partilham e como esses livros e ambientes expressam algumas preocupações especificamente modernas. São todos movidos, ao mesmo tempo, pelo desejo de mudança — de autotransformação e de transformação do mundo em redor — e pelo terror da desorientação e da desintegração, o terror da vida que se desfaz em pedaços. Todos conhecem a vertigem e o terror de um mundo no qual “tudo o que é sólido desmancha no ar”, explica.



Eis a passagem do Manifesto Comunista de 1848, de Karl Marx e Friedrich Engels, que inspirou sua obra: “Tudo o que era sólido se desmancha no ar, tudo o que era sagrado é profanado, e as pessoas são finalmente forçadas a encarar com serenidade sua posição social e suas relações recíprocas”. Anos depois, Berman não esconderia sua perplexidade diante da queda do Muro de Berlim e da dissolução na antiga União Soviética, em “As aventuras do marxismo”. Quarenta anos de academia estavam em xeque.

 





Um dos temas abordados por Berman é o dogma marxista do “ser operário” como “classe geral”, que libertaria todas as classes subalternas ao se libertar. Ou seja, a luta de classes como o “motor” da história, para além do desenvolvimento das forças produtivas, e o socialismo como futuro inevitável, no qual o partido é a vanguarda do proletariado, que luta no presente “pelo futuro do movimento”. e promove sua transição de “classe em si” para “classe para si”.



Diante da substituição dos operários de carne e osso pela automação e a robotização e do colapso do modelo soviético, Berman ainda tentou encontrar uma nova “classe geral”, alargando o conceito de “ser operário” para todos os assalariados. Entretanto, foi atropelado pela “sociedade líquida” do mundo pós e ultramoderno, que o filósofo polonês Zygmunt Bauman (1925-1917), também marxista, compreendeu melhor.


Entre os dedos



No mundo atual, as interações humanas “escorrem pelo espaço entre os dedos”, afirma Bauman, que resume a “modernidade líquida” desta forma: “a mudança é a única coisa permanente e a incerteza, a única certeza”. Vivemos numa sociedade em que os relacionamentos são menos duradouros. O medo é difuso e deixa os indivíduos inseguros e autocentrados. A segurança é identificada no prazer imediato do consumo, no isolamento voluntário, no distanciamento dos diferentes e na fugacidade das relações pessoais, que já não suportam erros e adversidades. “Modernidade líquida, medo líquido e amor líquido”, eis do que se trata.

 



Esse mundo pôs em xeque a esquerda, porque a estrutura de classes sociais que surgiu da industrialização e da urbanização acelerada não existe mais. Aqui no Brasil, o velho Partido Comunista já havia ficado para trás na redemocratização. Agora é o PT que está diante da decadência e da ultrapassagem de sua narrativa. Sem liderança moral da sociedade, o poder não é suficiente para manter a hegemonia.

 



As eleições municipais mostraram uma deriva da sociedade. A esquerda ainda não sabe enfrentá-la, sem perder a própria identidade e, com ela, suas bases eleitorais. Houve uma recidiva da direita nas eleições municipais, após a derrota eleitoral de Bolsonaro, em 2022, quando Luiz Inácio Lula da Silva voltou à Presidência.



E os setores liberais? Num país como o Brasil, com sua herança colonial escravagista, a ideia de que a democracia pressupõe alternância de poder e o direito ao dissenso, com respeito às minorias e garantias sociais básicas, é a chave para a consolidação da democracia e da inclusão da grande massa da população à vida nacional. Isso só ocorre nas eleições, graças às urnas eletrônicas.

 



Esses pressupostos estão diretamente relacionados às instituições políticas, que são construções históricas com dificuldades de acompanhar as mudanças. Em todo o mundo, os liberais também perderam a ancoragem social e estão à deriva, diante de forças reacionárias que se identificam com o nacionalismo e o chauvinismo, como no período entre as duas grandes guerras mundiais. No Brasil, ocorre o mesmo, porém, a principal referência reacionária é o passado imaginário de um edulcorado regime militar. Os episódios de 8 de janeiro de 2023 demonstraram que isso não deve ser subestimado.

 

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Setores liberais que poderiam isolar essas tendências estão sendo capturados eleitoralmente pelo projeto de direita, que propõe um regime iliberal, a partir de amplas parcelas da “sociedade líquida” a que se refere Bauman. Neste segundo turno, que se realiza em 51 cidades, entre as quais São Paulo, Belo Horizonte, Fortaleza e outras 12 capitais, apesar do predomínio das forças políticas mais moderadas, é preciso avaliar até onde vai a deriva à direita do centro político.

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