O presidente Luiz Inácio Lula da Silva passou um mês mais ou menos debatendo o pacto fiscal anunciado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na quarta-feira. Durante esse período, as propostas da equipe econômica foram “espancadas” pelos demais ministros, para usar uma velha expressão da ex-presidente Dilma Rousseff em relação ao seu processo de decisão sobre medidas desta natureza. Foi o que já havia ocorrido com a proposta de “déficit zero” apresentada pela equipe econômica no ano passado.

 


Entretanto, quem achar que o governo perdeu um mês na queda de braços da Esplanada dos Ministérios, estimulada por Lula, diga-se de passagem, estará enganado, a perda de tempo é muito maior. Pacotes dessa natureza, segundo uma velha raposa política muito experiente em assuntos administrativos, devem ser apresentados no primeiro ano de governo. Por uma razão simples: o arrocho fiscal provoca desgastes na opinião pública, que somente são revertidos quando seus efeitos positivos chegam ao dia a dia da população. Quanto mais tempo o governante tiver para que isso ocorra, melhor. Lula não terá três anos para que isso ocorra, terá apenas um ano e meio, talvez nem isso, se quiser se reeleger.

 




A eleição de Donald Trump nos Estados Unidos mostrou que não basta ter indicadores econômicos positivos, é preciso que essa percepção saia das planilhas dos economistas e chegue às contas domésticas. O presidente Joe Biden controlou a inflação americana, mas isso não significou redução de preços. São coisas diferentes. A percepção do custo de vida para os trabalhadores dos Estados Unidos derrotou os democratas com inflação em queda. Lula pode passar por uma situação muito parecida.

 

Governo coloca ‘bode na sala’ e cria debate paralelo sobre pacote fiscal


Para acalmar o mercado, de um lado, e tornar as medidas mais palatáveis, de outro, Lula se manifestou pela primeira vez sobre as propostas do pacote nas redes sociais nesta quinta-feira: “Ontem, apresentamos uma política de contenção de gastos, porque temos que cumprir o arcabouço fiscal, e uma proposta de revisão de imposto de renda que dará isenção para quem ganha até 5 mil reais”, escreveu no X, o antigo Twitter. O governo tenta tirar com uma mão e devolver com a outra, numa estratégia de redistribuição da renda que pretende proteger os trabalhadores de baixa renda e taxar os mais ricos, no Imposto de Renda.

 

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Há uma grande contradição entre os indicadores positivos da economia e o comportamento do mercado, a partir da alta do dólar, que ontem fechou a R$ 5,9. Os principais indicadores positivos são: avanço de 7% em sua renda real disponível; população ocupada de até 101,5 milhões em dezembro; e PIB acima de 3% ao ano, contrariando todas as previsões do início do ano. A agência de classificação de risco Moody’s colocou a nota soberana do país a um passo do clube dos bons pagadores.


Gasto e investimento


Entretanto, as reações do mercado ao ambiente econômico são negativas. Os investidores têm uma percepção insegura da economia, em função da recusa até agora de reduzir a zero o déficit público, o que projeta, para os analistas, um horizonte de aumento de gastos nos próximos anos, principalmente em 2026, quando haverá eleições presidenciais. O calendário político gera incertezas quanto ao compromisso do presidente Lula com o ajuste fiscal. O mercado projeta um déficit de 1,5% do PIB, ou seja, acredita que o governo gastará mais do que arrecada e, por isso, a inflação ficará acima da meta. Essa é a origem da desconfiança do mercado sobre a eficácia do pacote.


Pela mesma razão, o Banco Central (BC) eleva a taxa de juros, que pode subir para 13%, o que aumenta os passivos financeiros do governo e reduz o ímpeto de investimento na economia. Num final de ano em que as empresas fazem planejamento para o ano seguinte, a primeira reação do mercado foi puxar o freio de mão e aguardar até o carnaval do próximo ano para avaliar os efeitos positivos do pacote. Os títulos públicos (NTN-Bs) já são negociadas em torno de 5,70% para todos os prazos. As projeções para o IPCA no fim de 2024 saltaram de 4,39% para 4,50%. E as estimativas para a inflação em 2025 também subiram, de 3,96% para 3,99%.

 

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As medidas anunciadas visam gerar uma economia anual de R$ 2 bilhões, sendo R$ 1 bilhão em redução de despesas e outro R$ 1 bilhão em aumento de receitas. O mercado faz o teste de São Tomé: pretende ver para acreditar na promessa de economias de R$ 70 bilhões, em 2025 e 2026. Essa é a chave para que as projeções de redução de gastos de R$ 327 bilhões, equivalentes a 3% do PIB atual, de 2025 a 2030, possam realmente ser alcançadas, como pretende o ministro Haddad.


O outro lado da moeda, porém, é a reação negativa da Esplanada, onde se localiza a resistência orgânica ao corte de gastos do governo. Nenhum ministro quer cortar na própria carne. Um corte linear nos gastos de governo de 1,5% que fosse, os obrigaria a fazer escolhas e redefinir prioridades. Isso não somente aumentaria a produtividade, como impactaria a eficiência dos métodos de controle, eliminaria programas e projetos que não chegam à população que mais precisa, baratearia o funcionamento da máquina administrativa, sobretudo na atividade-fim. Talvez o grande erro de conceito do pacote fiscal seja a tese de Lula de que todo gasto na área social é investimento. O que fica pelo caminho, e não chega na ponta, muitas vezes, é puro desperdício.

 

 

 

 
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