O filme Joyeux Noël (Feliz Natal), de 2005, dirigido por Christian Carion, é um auto de Natal no contexto histórico da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). A coprodução reuniu cinco nações europeias (França, Alemanha, Reino Unido, Bélgica e Romênia) para uma ode à paz em quatro idiomas: francês, alemão, inglês e romeno. Diane Kriger (Anna Sorensen), Benno Fürmann (Tenente Nicolau Sprink), Guilhaume Canete (Tenente Audebert), Daniel Brühl (Hostmayer) e Gary Lewis (Padre Palmer) brilham nos papéis principais.

 

 


“Joyeux Noël” é inteiramente dedicado à trégua de Natal de 1914, quando soldados franceses, britânicos e alemães, por iniciativa própria, interromperam os combates e confraternizaram espontaneamente no front. São histórias individuais e coletivas dos soldados que participam daquele momento histórico, com destaque para um cantor de ópera alemão (Nikolaus Sprink) que, ao lado de sua amada Anna Sorensen, canta para os soldados na linha de frente.

 

 



Indicado ao Oscar e ao Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro, em 2006, apesar das ordens de combate, o filme mostra como os soldados revelaram compaixão e solidariedade, a partir de um canto natalino que aproximou os dois lados inimigos. Apesar dos diferentes idiomas, havia identidade cultural entre os soldados. “Joyeux Noël” é uma reflexão sobre o poder da empatia e da paz.

 

Entretanto, empatia e paz fazem muita falta, 110 anos depois. Vivemos um interregno semelhante ao que antecedeu a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). O mundo desaprendeu e continua sendo palco de guerras sangrentas. A crise humanitária é significativa, com 76 milhões de deslocados, a maioria por causa desses conflitos. Segundo o Índice Global da Paz, houve um pico histórico, com 56 combates registrados em 2024, o maior número desde o fim da Segunda Guerra Mundial.

 

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Em fevereiro de 2022, a Rússia iniciou uma invasão em larga escala na Ucrânia, resultando em combates intensos e significativas perdas humanas, até agora, estimadas em 190 mil. Na Palestina, o conflito de Gaza, iniciado após um ataque terrorista do Hamas ao território israelense, já provocou a morte de 45 mil pessoas, a maioria mulheres e crianças, durante os bombardeios das Forças de Defesa de Israel (FDI).

 

No Iêmen, desde 2015, morreram 337 mil pessoas na guerra civil protagonizada por rebeldes houthis. Após o golpe militar de 2021, até hoje Mianmar enfrenta confrontos entre as forças armadas e grupos de resistência, além de tensões étnicas e religiosas. Na Etiópia, desde 2020, a região de Tigré é palco de confrontos entre o governo etíope e a Frente de Libertação do Povo Tigré, com 100 mil mortos. Em Burkina Fazo, insurgências jihadistas, desde 2016, resultaram em deslocamentos e mortes.

 

 

Na Nigéria, o Boko Haram e conflitos entre pastores e agricultores causaram 368 mil mortes e deslocamentos de milhões de nigerianos. Desde abril de 2023, o Sudão enfrenta confrontos entre forças militares rivais. Iniciada em 2011, a Síria enfrenta um conflito complexo, que já matou 500 mil pessoas e agora, com a fuga do ditador Bashar Hafez al-Assa para a Rússia, entrou numa nova etapa, também incerta.

 

Sombras do futuro

 

Por tudo isso, a confraternização de Natal de 1914 foi um evento extraordinário. Na véspera de Natal e no dia 25 de dezembro de 1914, os soldados cantaram canções natalinas em suas respectivas línguas, como o famoso “Stille Nacht” (“Noite Feliz). Emergiram das trincheiras desarmados, trocaram presentes e se abraçaram. Confraternizaram a ponto de jogar futebol na chamada “terra de ninguém”. O historiador britânico Tony Ashworth conta que o episódio deu origem a um pacto de não agressão do tipo “viva e deixe viver” ao longo de todo o front, que perdurou por dois anos.

 

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Um estudo de estado-maior do Exército britânico sobre o fenômeno, denominado “sombra de futuro”, demonstrou que os soldados dos dois lados ganhavam tempo para permanecerem vivos até a guerra acabar. No “esconde-esconde”, o outro lado sabia onde o adversário estaria e/ou atiraria. A cooperação mútua era uma estratégia “olho por olho” invertida, que alternava retaliação de baixa letalidade, indesejável para os generais, mas muito vantajosa para os soldados. Saiam até das trincheiras para urinar ou fumar.

 

Na segunda-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez um pronunciamento de Natal na linha de um armistício político. “Todas e todos vocês que ajudam a construir esse grande país. O Natal é um bom momento para relembrarmos os ensinamentos de Cristo: a compaixão, a fraternidade, o respeito e o amor ao próximo. Meu desejo é que esses ensinamentos estejam presentes não apenas no Natal, mas em todos os dias de nossas vidas”. Sim, seria muito bom que a política voltasse à civilidade entre adversários, de parte a parte, com menos ódio e mais empatia. 

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