A Diversitera, startup voltada à promoção da equidade social e econômica em empresas dos mais diferentes perfis, revela impacto positivo em cerca de 90 mil colaboradores com suas medidas de inclusão social nas organizações. O marco se dá devido a sua mais nova plataforma digital, a Diversitrack, que permite com que as empresas tenham uma compreensão mais profunda do senso de pertencimento de seus diferentes colaboradores.



O recém-lançado SaaS é uma plataforma de Voz do Funcionário (Voice of Employee – VOE) que visa facilitar a identificação de prioridades para uma organização mais diversa e inclusiva, contribuindo para um ambiente com mais inovação, engajamento e lucratividade. O novo modelo SaaS permitirá que a Diversitera atenda um novo perfil de cliente, até então desassistido pelo mercado: as pequenas e médias empresas.  

 



Em uma entrevista exclusiva para a coluna "Mundo Startup", o CEO Marcus Kerekes revela os principais desafios que pessoas com deficiência enfrentam ao entrar no mercado de trabalho. Como cadeirante, Kerekes vivenciou esses obstáculos de perto e transformou suas experiências em um propósito: combater estereótipos e promover a inclusão no ambiente corporativo.


 
P -Quais são os principais desafios que as pessoas com deficiência enfrentam ao tentar ingressar no mercado de trabalho, e como as empresas podem transformar esses desafios em oportunidades?
 

R- Sem falar nos desafios que toda pessoa com deficiência enfrenta ao longo da vida até chegar ao mercado de trabalho, que já a colocam em desvantagem em relação à maior parte da população, as dificuldades começam desde o básico ao tentar acessar oportunidades de emprego. A acessibilidade física disponível nos locais de trabalho está muito aquém do ideal, não oferecendo condições mínimas para que essas pessoas possam conviver nesses espaços. Pouquíssimas empresas tratam essa questão de maneira proativa, esperando que a entrada de pessoas com deficiência aconteça para, então, tornar o ambiente acessível. Muitas vezes, essa hora não chega, e isso acaba servindo como justificativa para a ausência dessas pessoas no quadro de funcionários, com a desculpa de que "o ambiente ainda não é acessível" – acredite, isso é mais comum do que se imagina.

 




 
Além dessa questão, uma das maiores barreiras nesse processo, que talvez possa ser considerada a causa raiz de todas as outras, é a carga de estereótipos enviesados e irreais que a sociedade em geral, e nesse caso os gestores das empresas, carrega a respeito desse tema. Muitos deles associam a perda de alguma funcionalidade corporal a uma suposta menor produtividade ou a um "teto" de potencial profissional que a pessoa possa alcançar. Isso afeta diretamente todo o processo decisório nos processos seletivos, levando à eliminação de perfis de candidatos com deficiência por causa de supostas dificuldades no desempenho de determinada função – o que nem sempre é real.



No meu caso, por exemplo, sou cadeirante e provavelmente teria dificuldades para desempenhar funções que exigem ficar em pé. Isso é lógico e evidente. No entanto, muitas atividades e funções que uma pessoa com deficiência poderia executar com excelente resultado também acabam sendo avaliadas negativamente, e muita gente fica fora da lista de candidatos escolhidos pelo RH. As pessoas se surpreendem com a capacidade de adaptação do ser humano frente às adversidades. Vemos exemplos dessa adaptação todos os dias, como um analista financeiro ou um desenvolvedor de sistemas cego, que quebram paradigmas.

 


 
Ou seja, o estereótipo extrapola a realidade e acaba sendo absorvido como regra para todas as situações, o que tem um impacto negativo tremendo no acesso dessas pessoas ao mercado de trabalho.


 
Como a inclusão de pessoas com deficiência nas equipes empresariais pode impactar positivamente a cultura organizacional e os resultados de uma empresa?


 
Já está provado que a diversidade traz resultados, pois ela incorpora a diversidade de experiências, vivências e, consequentemente, de pontos de vista. O resultado disso é a diversidade de pensamento, o que amplia o repertório objetivo e criativo de qualquer equipa, seja na concepção de um novo produto, na avaliação de riscos ou na otimização de processos estabelecidos. A experiência de vida de cada pessoa ajuda a moldar as suas características profissionais, e no caso das pessoas com deficiência, isso é especialmente evidente.


 
Por exemplo, se no fim de semana vou a um bar com os meus amigos para tomar uma cerveja, preciso saber com antecedência se o local escolhido tem um banheiro acessível. É algo trivial e automático para pessoas sem deficiência, pois têm a certeza de que o ambiente vai atendê-las. Situações como essa fazem parte do cotidiano de uma pessoa com deficiência, e esse processo constante de planejamento prévio, onde quer que se vá, pode incorporar ao perfil profissional características e habilidades importantes, como o próprio planejamento, a capacidade de traçar cenários futuros ou até mesmo a resiliência.


 
Outro aspecto importante, e que é plenamente mensurável, é a melhoria do ambiente organizacional. Ter o "diferente" daquilo que é predominante inserido como parte ativa nas empresas contribui para a qualidade do clima organizacional. Conviver com o diferente amplia os horizontes de todos.


 
De que forma a Diversitera auxilia empresas na criação de ambientes mais inclusivos e acessíveis para pessoas com deficiência?

 


 
O nosso ponto de partida, sempre que possível, é reunir e agregar dados que ofereçam mais substância para entender o cenário atual e traçar estratégias objetivas para a melhoria do clima interno e a criação de confiança entre as pessoas. A nossa proposta é adotar uma visão holística, considerando todas as questões que tangenciam a atração e a permanência dessas pessoas nas empresas. Isso envolve um diagnóstico inicial do perfil demográfico da empresa: quais tipos de deficiência já estão presentes no ambiente, como essas pessoas estão sendo acolhidas e valorizadas, e se têm espaço e condições para mostrar seu potencial.


 
Além disso, inclui a avaliação de processos que possam estar impedindo o ingresso de pessoas com deficiência na empresa, seja na forma como as empresas estão buscando candidatos, comunicando suas vagas, ou mesmo uma análise crítica sobre como as quotas para pessoas com deficiência são tratadas na organização – de forma reativa ou estratégica.


 
Esse processo também envolve a conscientização e capacitação da organização, especialmente dos gestores, acerca do tema. Muitas vezes, a barreira está no desconhecimento.


 
Poderia compartilhar exemplos concretos de como a Diversitera ajudou empresas a promoverem uma inclusão efetiva de pessoas com deficiência?


 
Na nossa experiência, em diversas ocasiões, a simples análise do perfil demográfico da empresa e o entendimento da população com deficiência podem revelar problemas de solução rápida, com um impacto tremendo na qualidade da vivência dessas pessoas dentro da empresa. Por exemplo, pessoas com deficiência que não tinham acesso a ferramentas de tecnologia assistiva para desempenhar o seu trabalho, como uma pessoa cega sem um software de leitura de tela, ou uma pessoa surda que se comunica em Libras, mas trabalha em um ambiente onde ninguém compreende a língua e não há nenhuma ferramenta disponível para garantir a acessibilidade comunicacional. Acreditem, isso é muito mais simples e barato de resolver do que se imagina.



Como você avalia as políticas públicas atuais em relação à inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho? O que ainda precisa ser melhorado?

 


 
Nas últimas décadas, celebramos duas conquistas importantes que trouxeram uma mudança significativa na inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho. A mais relevante nesse contexto foi, sem dúvida, a Lei de Cotas de 1991, em consonância com a Constituição de 88. Até então, o acesso de pessoas com deficiência a posições de trabalho formal era quase impossível, seja pela falta de infraestrutura nas empresas da época, seja pelo preconceito e pelos estereótipos, que eram ainda mais capacitistas naquele período. Desde então, as portas se abriram, e um número expressivo de pessoas com deficiência conseguiu ser inserido no mercado de trabalho, gerando renda e incluindo essa população também no consumo.


 
A estimativa atual é de que mais de 500.000 pessoas com deficiência estejam empregadas graças à Lei de Cotas – um número significativo, mas ainda distante do total de pessoas com deficiência em idade economicamente ativa, que gira em torno de 10 milhões.


 
A evolução desse processo depende das empresas. Até hoje, grande parte da liderança empresarial encara as cotas meramente como uma obrigação legal e uma política assistencialista, tratando-as de maneira reativa, sempre à iminência de uma fiscalização. Ainda que tardiamente, algumas empresas estão começando a perceber que é estratégico ter a presença dessas diferentes cabeças pensantes ajudando a construir a jornada organizacional.


 
Quais são suas expectativas para o futuro da inclusão de pessoas com deficiência no ambiente corporativo, especialmente em um contexto de avanços tecnológicos e mudanças sociais?


 
Historicamente, a evolução da inclusão das pessoas com deficiência sempre teve alguma correlação com o avanço tecnológico. A evolução das lentes e sua posterior aplicação na correção de deficiências visuais, assim como a descoberta e o desenvolvimento de materiais mais leves, trouxeram mais qualidade de vida para pessoas que usam próteses ou cadeiras de rodas, entre outros exemplos. A incrível evolução tecnológica das últimas décadas, impulsionada pelo impressionante aumento da capacidade de processamento em conjunto com a miniaturização dos chips, barateou e democratizou o desenvolvimento de tecnologias e soluções assistivas.

 

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Nos últimos 20 anos, temos assistido a uma evolução notável nas ferramentas disponíveis para a inclusão no ambiente de trabalho. Seja na acessibilidade ferramental, como softwares de leitura de tela, legendas simultâneas em reuniões online, acessibilidade em documentos e sites, seja em tecnologias que proporcionam maior autonomia às pessoas, como óculos e bengalas com sistema de navegação para pessoas cegas ou com baixa visão, e tradutores de Libras que facilitam a comunicação e interação de pessoas surdas no ambiente de trabalho. A tendência é que esse fenômeno continue em ritmo acelerado.


Além de seu papel na evolução de softwares e hardwares, a tecnologia tem impactado consideravelmente nossa relação com as informações em diversas dimensões. O acesso mais fácil e democratizado à educação e, principalmente, as redes sociais têm servido como ferramenta de união e mobilização, seja para a troca de experiências entre pessoas com deficiência, o acesso a produtos específicos, ou até mesmo para dar voz aos desafios que esse grupo enfrenta como um todo. Essa mobilização também representa uma oportunidade para as empresas, que podem entender melhor esse público como potenciais consumidores.

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