Estou na fase final da redação de um livro que traz depoimentos de pessoas que nasceram e vivem no extremo sul de Madagascar, no continente africano. A maioria das pessoas, quando escuta falar desse país insular, se lembra do desenho animado. Como as demais produções da Disney, a animação Madagascar é de fato linda, porém distante da realidade, a começar pelo fato de que em suas florestas não tem grandes mamíferos. Mas, como o objetivo dos desenhos animados passa longe de ser chamar atenção para a realidade nua e crua – principalmente em se tratando de um dos locais mais pobres do mundo –, deixemos essa discussão de lado nesse momento.

 

 



 

 

O que me estimulou a sentar com dezenas de nativos para ouvir suas histórias foi principalmente uma dúvida central. Sempre dizemos que o ser humano é capaz de viver sem muita coisa. Exceto sem água. Mas lá se bebe, quando muito, um gole por dia, muitas vezes de uma água colhida em poças barrentas no meio da rua, armazenada em galões após as chuvas (que são raras). Verdade maior do que a de que “não se vive sem água” é a que diz que “o ser humano se adapta a tudo”. Mas como viver sem água?
Outra característica daquele povo que também me surpreende é a crença no poder natural e sobrenatural do feitiço. Natural porque, para fazer muitos deles, recorre-se a venenos extraídos de plantas nativas, e sobrenatural porque só são envenenados os alvos do feitiço, mesmo em situações em que várias pessoas tenham provado da porção amaldiçoada.

 

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Fácil arrancar risadas de pessoas que se acham cultas e sábias. Mas outra coisa que tenho aprendido muito, ao ter acesso e conviver com culturas tão diversas, é a respeitar as suas crenças. Podem parecer primitivas muitas delas, mas todas se encaixam muito bem na história de cada povo e do lugar onde habita. Quantas vezes nós, do lado de cá, cheios de diplomas e títulos, acendemos vela para conseguirmos assinar o tão sonhado contrato ou engravidar ou tirar nota boa no Enem (para entrar em medicina na UFMG)? Pedimos aos familiares e amigos para rezar por isso e aquilo como se Deus pudesse escolher atender ao meu pedido e não ao da outra porque consegui mais adeptos à minha causa que ela.


Não seria esse também o maior efeito do veneno?

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