Jorge Luís Borges, por exemplo, pensa que não se deve julgar um escritor por suas ideias. Ele deve ser julgado pelo prazer que proporciona e que se tem com ele -  (crédito: UPI PHOTO SABETTA/AFP)

Jorge Luís Borges, por exemplo, pensa que não se deve julgar um escritor por suas ideias. Ele deve ser julgado pelo prazer que proporciona e que se tem com ele

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Pobre, mas contente é rico o suficiente, diz um velho ditado. Para quem gosta de ler, boa recordação traz esperança. Estamos nas férias escolares brasileiras, vendo o Equador em estado de sítio dominado pelo narcotráfico e a criminalidade. Enquanto a África do Sul, cavando canais para ampliar a crise, faz malabarismo político com a dor dos outros e manipula o Tribunal de Haia contra Israel. No mundo sem paz de espírito, não se fingem as cóleras.

Mas a política internacional também é feita de literatura, onde quem não tem talento não engana. Então, compartilho com os leitores opiniões de alguns dos grandes nomes da literatura mundial no século 20. São entrevistas feitas pela revista The Paris Review – de língua inglesa, fundada em Paris, com sede em Nova York – ao longo de vários anos e publicadas no Brasil pela Companhia das Letras.

Jorge Luís Borges, por exemplo, pensa que não se deve julgar um escritor por suas ideias. Ele deve ser julgado pelo prazer que proporciona e que se tem com ele. Quanto às ideias, não é tão importante se um escritor tem estas ou aquelas opiniões políticas, porque uma obra boa se realiza apesar delas. Uns veem o mundo como um museu de diamantes, outros uma coleção de esquisitices. Certa vez, um repórter me perguntou se a morte daquele cujo nome não quero me lembrar, influenciaria minha obra. Borges, que via em Peron o mal maior da Argentina, riu e disse: vivo, já o tinha morto. Considerava o nacionalismo político um erro. Porque se alguém gosta de uma coisa em detrimento de outra é porque não gosta dela realmente. Não se ama a Inglaterra em detrimento da França.

As opiniões de Amós Oz, escritor de Israel que morava no deserto perto de Jerusalém, são de 1966 e totalmente atuais. Muita cor local, muita política local, são mortais para o romance. As situações, o enredo, são mais importantes do que os personagens. Para os personagens se tornarem universais é preciso, porém, que estejam enraizados no local pensando o simples, o mais universal. Mas o leitor também existe e, para um escritor como eu, de uma das partes mais conturbadas do mundo, tudo é interpretado alegoricamente.

É ilusório achar que existe uma ocupação militar suave e desconfio da sinceridade da sensibilidade moderna de querer politizar tudo no campo dos direitos civis. Usar a literatura como alegoria política, retira seus matizes e põe em relevo o radical. Se em romance meu, mulher israelense namora um árabe, desagrado aos dois lados. Se “Moby Dick” fosse escrito por Vargas Llosa, as pessoas diriam que a baleia é um ditador sul-americano.

W. H. Auden, poeta anglo-americano, se considerava alheio à influência eletrônica. Não dava entrevista gravada pois achava que se algo dito valesse a pena o repórter seria capaz de lembrar. E contava a história do escritor Truman Capote que, diante de um repórter cujo gravador emperrou no meio da entrevista e sem conseguir consertá-lo, sugeriu que ele anotasse. Não, vamos encerrar a entrevista.

Nem perco tempo porque depois que surgiu o gravador não estou acostumado a ouvir o que diz o entrevistado. Vinte anos antes do celular, a mesma antipatia tinha pela máquina de retrato: se você cruza na rua com alguém caído nem tenta ajudar, quer é fotografar. Tinha também restrições ao sistema eleitoral. Como todos os políticos são iguais, nossos líderes deveriam ser eleitos por sorteio. As pessoas não conhecem mais o significado das palavras. As artes nada podem fazer. A história da Europa seria exatamente a mesma se Dante, Shakespeare, Michelangelo, Mozart e cia. nunca tivessem existido. A responsabilidade política do escritor é usar corretamente a língua materna e não deixar as palavras perderem o sentido.

Primo Levi, cientista e escritor italiano, sobrevivente do campo de concentração de Auschwitz, dava ao recato nas relações pessoais e políticas a dimensão de uma relíquia. Sem alimentar hostilidade, ressentimento ou ódio, sua obra é um retrato dos seus hormônios delicados. Jamais fiquei irado mesmo não sendo capaz de perdoar. Não é uma virtude minha; é um defeito. É o hábito de ter sempre uma segunda reação antes da primeira. É o descaso com as leis e os costumes que nunca permitiram à Itália forjar uma classe política digna do nome.

Nossos piores males são as escolas e a política, onde nossos professores e líderes ensinam sem ter aprendido. Quem abandona a cultura e se dedica à luta política a vida toda precisa que sempre exista confronto. Meu sentimento em relação ao ativismo político é ambíguo.

Admiro as pessoas capazes de enfrentar qualquer situação. Mas não aquelas que acham que política é guerra e que a guerra jamais acabou.