A criminalidade é um sistema próprio alimentado por sistemas políticos e econômicos que não geram as condições sociais necessárias para seu próprio sustento, nem asseguram os valores que tornam possível o sucesso de toda a população do país.

A criminalidade toma emprestado a frustração como energia ruim criada pelo fracasso da confiança, fé e da esperança no trabalho, emprego, educação, mobilidade social, distribuição da riqueza e credibilidade das instituições do Estado. E acolhe ou sequestra os restos humanos que a economia incapacitou e estão espalhados por aí.

Um mundo de pessoas cujo destino não foi atenuado nem por políticas sociais de redução das más consequências da economia, nem bem orientado diante de valores da religião, educação e da ética desprovidas de sinceridade.



O Estado e a sociedade na América Latina não param para pensar e fingem que não engolem o caos de uma patologia que já se instalou. As redes de comércio ilegal estão cada vez mais fortes e sem controle externo. Na região deixam um rastro de violência, descontrole e degradação por todos os lados, incapazes de vislumbrar a forma de salvar a economia legal dos inimigos que ela gera.

O fato é que vivemos uma era turbulenta e indomável, de fracasso do papel dos intelectuais inovadores, das entidades filantrópicas, das instituições civis. Um tempo que exacerba os problemas que não consegue tratar e que convive com pobres permanentes, incapaz de ajudar a maioria a viver decentemente.

Tempo de uma política que quer mudar o mundo sem compreendê-lo e uma justiça elitista que não corresponde à realidade econômica e social dos países.

Hora de reler e refletir com o escritor e pesquisador Moisés Naím, autor de uma das melhores introduções ao tema. Seu livro “Ilícito”, publicado em 2006, é um clássico sobre o funcionamento do mercado negro e seus desafios à economia e à sociedade globais.

Naím, que é venezuelano e foi diretor-executivo do Banco Mundial, alertava em seu livro que “nas próximas décadas, as atividades das redes internacionais de tráfico e seus associados terão um impacto muito mais profundo do que é comumente imaginado nas relações internacionais, estratégias de desenvolvimento, promoção da democracia, negócios e finanças, migrações, segurança global, e guerra e paz”.

Na Colômbia, o governo de Gustavo Petro tem tido grande dificuldade de alcançar um almejado estado de paz no país. Seus esforços de conversa e conciliação com grupos armados para que abandonem a ilegalidade e a violência têm sido alvo de antipatia popular. A percepção é a de que grupos armados estejam escalando seus atos de violência para negociar a partir de uma posição de força com o governo.

O Paraguai, apesar de menos violento do que outros vizinhos latino-americanos, tem relação umbilical com o comércio ilegal. Estima-se que 11% do cigarro contrabandeado do mundo seja produzido no país. O Paraguai produz 20 vezes mais cigarros do que o consumido no próprio país, e grande parte do excedente cruza as fronteiras como contrabando.

Os cartéis de drogas aterrorizam o México há décadas. O crime corrompe e atemoriza autoridades para que deixem passar suas atividades ilegais. Cerca de 90% das armas apreendidas no México são originárias dos EUA. Estimativas acerca da lucratividade do comércio ilícito são imprecisas e sofrem grande variação, mas estima-se que cerca de US$ 25 bilhões originados nos EUA são lavados anualmente no México.

O triângulo norte da América Central, região composta por Guatemala, Honduras e El Salvador, tem sido notícia nos últimos anos pela violência endêmica e a falta de oportunidade para seus cidadãos. São celeiros de imigrantes desesperados.

O Brasil vira e mexe aparece como número 1 do mundo em homicídios intencionais em dados brutos e em muitas cidades o crime está mais presente do que a polícia. Em dados per capita, El Salvador já foi um dos primeiros do mundo, tendo chegado a 103 por cada 100 mil habitantes em 2015. De lá para cá, os números vêm caindo ano após ano. Em 2022 chegou a número abaixo de 8 por 100 mil habitantes. Essa melhora sustenta a popularidade do recém-reeleito Nayib Bukele. Todavia, Bukele é apontado como péssimo exemplo em termos de condução democrática.

Toda história das atividades ilegais tem duas faces: uma é a da oferta e a outra é a da demanda. Somente olhando para ambas com atenção é que é possível compreender o fenômeno. Existem políticas consagradas e desgraçadas para lidar com cada uma dessas faces, e autoridades de igual tipo em situações similares: não conseguem reagir à altura ao maior concorrente da lei e da ordem.


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