O Vietnã é um dos países com a mais longa história de resistência e superação frente a potências dispostas a sufocar o país. É uma nação sofrida e ainda pobre, mas com facetas de grande adaptação à competitividade global de ponta. Atualmente, após superar vários obstáculos, é uma pequena potência emergente de quase 100 milhões de habitantes. Cada vez mais altamente integrado às cadeias globais de valor, o país não para de crescer economicamente, seguindo à sua maneira os passos trilhados pela China de combinação entre levar a sério o funcionamento do mundo capitalista sem abandonar o controle político socialista das diretrizes de governo. Enriquece-se muito e muito rápido, mas tudo é organizado para fazer sentido para a população e para a preservação do controle do estado.
Na quarta-feira passada, o Vietnã chamou a atenção do mundo por conta da renúncia de seu presidente, Vo Van Thuong. É a segunda vez em pouco tempo que o político ocupando o cargo de presidente é forçado a renunciar. Ainda no ano passado, o então presidente Nguyen Xuan Phuc também renunciou por questões similares às de Vo Van Thuong. A acusação pública, como é de praxe em qualquer lugar do mundo, é a de corrupção.
Aliás, o Vietnã vive há alguns anos sob a égide de um grande programa anticorrupção. Uma faceta que também pegou emprestado da China contemporânea. Tanto na China quanto no Vietnã, o sistema dominante usa a corrupção como tema de luta política para produzir circulação de poder a as correntes operações anticorrupção são braços da briga fratricida intrapartidária nesses dois países de partido único. Usar a denúncia de obtenção de vantagem indevida por quem ocupa uma posição de autoridade e influência tem grande impacto na opinião pública de qualquer país.
Corruptos à parte, seja em democracias eleitorais seja em autocracias de partido único, uma das formas mais eficientes de se livrar de oponentes indesejados é a de imputar acusações de corrupção sobre desafetos. Na China, acusar e reabilitar dirigentes é uma forma que o Partido Comunista Chinês usa para fazer a carruagem das dinastias partidárias se fortalecerem e se enfraquecerem de tempos em tempos.
No sistema vietnamita, a presidência do país é apenas a quarta posição de maior poder político. Quem manda mesmo é o Secretário-Geral do Partido Comunista, posição há mais de uma década ocupada por Nguyen Phu Trong, o qual também acumula as outras duas principais posições de poder no país.
O problema é que Trong encontra-se em meio a grande pressão para sinalizar quem será seu sucessor após tantos anos de comando. O presidente que acaba de renunciar, Vo Van Thuong, era cotado como um dos mais possíveis sucessores de Trong. Agora que Thuong caiu em desgraça muitas organizações com negócios e interesses no Vietnã se sentem em uma situação de incerteza. O que será que se passa no Partido Comunista?
A verdade é que o Vietnã se modernizou enormemente nos últimos anos. O país pegou um tanto da produção manufatureira que escorreu da China para sua periferia à medida que a China ia ficando cara. Junte-se a isso algumas decisões estratégicas do governo vietnamita de forjar parcerias bastante favoráveis com multinacionais ao mesmo passo em que desenvolve marcas próprias, muitas vezes de alta tecnologia, como é o caso do setor de veículos elétricos com a Vinfast.
O país organizado em torno de suas duas grandes metrópoles, Hanoi ao Norte e a Cidade de Ho Chi Minh ao Sul, deve passar incólume pela turbulência política recente. Com o PIB crescendo a uma taxa anual de 5%, o Vietnã segue na toada de grande crescimento regional na área do Leste Asiático e Pacífico.
Batizada de “Fornalha Ardente”, forma espetacular de chamar a campanha anticorrupção, a elite do Partido Comunista vai ajustando os ponteiros de uma sucessão de lideranças que combina ambições de dirigentes com notável crescimento econômico. Mantém a neutralidade entre China e EUA e tenta não assustar o investidor estrangeiro, peça fundamental do desenvolvimento econômico interno. País de política externa pragmática e equilibrada, capaz de estabelecer parcerias estratégicas multilaterais sólidas, o Vietnã é um exemplo de recuperação.
Grande produtor de café como o Brasil, nossa balança comercial é equilibrada. Mas, embora gigantes populacionais, é baixo o comércio entre os dois países. Os vietnamitas compram do Brasil soja, algodão e milho e vendem para nós válvula, pneu, sapato e tilápia. Estado de partido único onde nenhuma oposição política é permitida as relações exteriores abertas do Vietnã podem estar na origem das tensões internas entre dirigentes temerosos da influência internacional.