Depois de 44 dias de votação, uma pinta roxa de nitrato de prata na unha de quem já votou e 969 milhões de eleitores aptos a votar, terminou ontem na Índia a maior eleição do mundo.


Chhatrapati Shivaji é o segundo aeroporto mais movimentado do país. Localizado no suburbano Bairro de Santa Cruz, o aeroporto serve à cidade de Mumbai. O nome Santa Cruz é uma reminiscência do controle português sobre a ilha de Salsete, local da megacidade de Mumbai. A referência à Chhatrapati Shivaji é parte dos esforços de valorização dos heróis da história indiana. Afinal, Shivaji é um monarca venerado por fundar um estado hindu numa Índia dominada por um império islâmico.


Quando muitas décadas depois o aeroporto passou a se chamar Chhatrapati Shivaji, a Índia entrava na fase de crescente afirmação de suas raízes culturais. Atualmente, planeja-se erguer numa ilha do mar Arábico, em homenagem a Shivaji, a maior estátua do mundo. São muitos os simbolismos que movem a Índia atualmente.


A fase de crescente afirmação de suas raízes culturais ao mesmo tempo influenciou e foi influenciada pela ascensão do Bharatiya Janata Party (BJP), o Partido do Povo Indiano, ao poder. Percurso que se solidificou quando Narendra Modi assumiu o controle do BJP e se tornou primeiro-ministro do país em 2014. Passada uma década no poder, Modi acaba de disputar outra vez a eleição que certamente o reconfirmará como primeiro-ministro. O resultado sairá nos próximos dias e a grande dúvida é se o BJP aumentará ainda mais seu domínio sobre o parlamento indiano, ou se os eleitores introduzirão alguma moderação a esse controle.


A diferença hoje para a oposição é tão grande que o maior partido que não faz sustentação ao governo Modi não chega a ter nem 10% das cadeiras da Lok Sabha (a Câmara do Povo), o órgão legislativo que define quem será o primeiro-ministro. Isso faz com que o Partido do Congresso, uma agremiação mais secular e de importância histórica, com o segundo maior número de parlamentares, não possa, pela legislação indiana, nem mesmo se constituir como líder formal da oposição.


Em seu percurso para estabelecer sua visão de uma Índia desenvolvida, Modi gosta de se comparar com Shivaji. E essa é apenas uma das várias alegorias usadas por Modi nessa maneira ultranacionalista de governar encampada pelo seu BJP. Seu nacionalismo, misturado com religiosidade hindu é a maior habilidade que emprega para liderar o rol do gênero demagogo-populista de sucesso que tomou conta da política mundial.


O BJP se tornou uma máquina de vencer eleições ancorado na sua relação umbilical com o Rashtriya Swayamsevak Sangh (RSS). O RSS é uma entidade civil sui generis, dedicada à construção de uma pátria hindu a partir da mobilização de base. A busca por implantar sua cosmovisão sobre todo território indiano é perseguida metodicamente pelo RSS, uma organização composta por homens e que tem conseguido tratorar o processo político indiano. Com o BJP no poder, a mobilização agora é de cima para baixo também. BJP mais RSS juntos são uma máquina de manter o poder.


Na constante busca de suas simbologias, as duas organizações implantaram Modi em Varanasi para concorrer à eleição de 2014 de deputado federal, sua primeira eleição para um cargo nacional e que já o levou ao posto de primeiro-ministro. Vindo de quase 1.500 quilômetros dali, Modi estabeleceu Varanasi como seu reduto eleitoral desde então.


O município, também chamado afetuosamente de Kashi, ou “a iluminada”, é o principal centro de romarias do hinduísmo e sua cidade mais sagrada. Dentre as benfeitorias que Modi entrega a Varanasi, destacam-se as obras de melhorias dos templos hindus. São literalmente milhares de templos espalhados pela mística cidade. Há inclusive o característico caso de uma mesquita da cidade – a qual conta com cerca de 20% de população muçulmana – que foi recentemente obrigada pela Justiça a permitir a celebração de rituais hindus em seu interior. Um testemunho da forma como a cosmovisão de BJP e RSS vai sendo espalhada e consolidada.


Nessa última semana, Varanasi chegou a 48 graus de calor. Um dos mais pitorescos lugares para se visitar na Índia, a cidade não aconselha que os turistas estrangeiros venham entre maio e junho, meses mais quentes. É, no entanto, um período de importantes festas religiosas e, este ano, de eleições. Uma mistura que apetece sobremaneira ao talento da imaginação de Modi, esse líder nacionalista que se apresenta como uma mistura de figura religiosa com a de um vigoroso político comprometido com a afirmação da grandeza indiana.

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