Era quatro de março de 1861 e Abraham Lincoln concluía seu primeiro discurso de posse dizendo que “não somos inimigos, mas amigos. Não devemos ser inimigos. Embora a paixão possa ter se tensionado, ela não deve quebrar nossos laços de afeto. Nossa União será fortalecida quando for novamente tocada, como certamente será, pelos melhores anjos da nossa natureza”. O contexto era a secessão dos estados do Sul e a ameaça iminente de guerra civil nos EUA.

 

Na década passada, o psicólogo Steven Pinker usou essa frase de Lincoln para intitular sua obra “Os melhores anjos da nossa natureza” que cataloga o declínio secular da violência em nosso mundo. Pinker argumenta que o progresso humano, apesar das adversidades, tem mostrado uma tendência clara de melhoria nas condições de vida globais. Ele destaca como a razão, a ciência, o humanismo e o progresso têm sido pilares fundamentais para este avanço.

 

Pinker demonstra como, ao longo dos séculos, temos presenciado uma redução significativa na violência e um aumento na prosperidade, educação e saúde. Estes avanços são resultados de políticas baseadas em evidências e da abertura a novas ideias e culturas, algo amplificado pela imigração. Sem a imigração e o comércio global o mundo seria muito mais pobre e encrencado.

 



De todo modo, no contexto atual, são justamente a imigração e a relação dos EUA com o mundo os grandes pontos de divisão da sociedade americana. Existem muitos outros tópicos a comentar sobre o muitas vezes leviano bate-boca que foi o debate de quinta-feira à noite entre os candidatos à Casa Branca, mas prefiro falar da imigração.

 

É espantoso constatar que não apenas os eleitores americanos desejavam um controle ainda mais rígido da imigração sob a administração Biden, mas que a maioria acredita que Trump é quem lida melhor com a questão entre os dois. Segundo pesquisa Reuters/Ipsos da semana que passou, os eleitores escolheram Trump por 44% contra 31%.

 

Entre outros despautérios, Trump enfatiza termos como “Biden migrant crime” para associar falsamente imigração a criminalidade e desordem. São lideranças assim que explicam por que as pessoas não notam que o mundo melhorou e segue melhorando, bem como não notam o bem danado que a imigração traz para um país. Pior, são lideranças assim que atrasam o progresso do mundo. Afinal, a melhor solução para não atrair imigrantes é ter um país inóspito, com uma economia terrível, sem melhores expectativas e esperanças. Pobre dos países que não atraem imigrantes. Seria isso que o americano médio deseja para seu país?

 

O fato é que, apesar das lamúrias e da desinformação, a economia dos Estados Unidos está em pleno crescimento, e a imigração desempenha um papel crucial nesse cenário. Entre janeiro de 2023 e janeiro de 2024, aproximadamente 50% do crescimento do mercado de trabalho veio de trabalhadores nascidos no exterior, de acordo com o Economic Policy Institute, um think tank de Washington.

 

Imigrantes recuperaram-se mais rapidamente das perturbações da pandemia e muitos tiveram aumentos salariais significativos em indústrias necessitadas de mão de obra. Os dados mostram que a imigração fortalece a economia americana, preenchendo lacunas críticas no mercado de trabalho e contribuindo para um crescimento robusto. Sem os imigrantes, inclusive os sem documentos, os EUA cresceriam menos. É isso que desejam?

 

Apesar da retórica polarizadora e das políticas restritivas defendidas por líderes como Trump, a imigração tem mostrado benefícios claros e mensuráveis. Políticas restritivas poderiam prejudicar o crescimento econômico contínuo e a inovação, elementos essenciais para a prosperidade do país.

 

É, assim, fundamental que eleitores e líderes compreendam os benefícios trazidos pela chegada de estrangeiros ao país. Uma abordagem abrangente e informada permitirá que os Estados Unidos mantenham sua trajetória de progresso e crescimento. A imigração não s enriquece a diversidade cultural, mas também serve como um motor indispensável para o desenvolvimento econômico, garantindo que o país continue a ser uma terra de oportunidades e crescimento. Quisera que o Brasil ainda estivesse atraindo muitos imigrantes, em vez de ver brasileiros compelidos a buscar vida melhor no exterior.

 

Enfim, que os melhores anjos da nossa natureza ajudem nossos amigos estadunidenses a viver fora de tais pressões políticas temporais.

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