A partir de 20 de janeiro de 2025, Donald Trump volta a ser presidente dos EUA por 4 anos. Como candidato, Trump se posicionou com a promessa de um retorno à sua forma especial de fazer farra com o sentimento de medo e esperança do eleitor. Volta com uma baixa e ao mesmo tempo alta expectativa de previsibilidade de uma agenda mais radical e rompedora sobre temas sensíveis, interna e externamente. É curioso como o desejo do eleitorado por estabilidade se mesclou com as propostas de políticas desestabilizadoras de Trump.

 

Entender a cabeça do eleitor no presente é que faz prever melhor a cabeça de Trump para o futuro. Dificilmente o rei é melhor do que seus súditos.

 

 


Donald Trump concentrou sua campanha no desespero emocional do eleitorado branco, um fator crucial para sua vitória. De acordo com dados do AP VoteCast, 55% entre todos os eleitores brancos votaram em Trump, enquanto sua oponente, Kamala Harris, obteve 41% desse segmento. No total, 84% dos votos de Trump foram dados por pessoas brancas.

 



 

A sólida base de apoio a Trump entre eleitores brancos, especialmente aqueles sem diploma universitário, foi reforçada por sua habilidade em conquistar um avanço, ainda que modesto, entre eleitores negros e latinos em comparação com eleições anteriores.

 

O sistema de classificação racial é excessivamente racializado nos EUA. Em geral, pessoas não majoritariamente negras de origem ibérica ou de países da América Latina são classificados como “latinos” ou “hispânicos”, de modo intercambiável, como se tal fosse uma raça ou etnia. Ou seja, negros ibéricos ou latino-americanos são chamados “negros com ascendência hispânica”, enquanto brancos, pardos, indígenas, asiáticos e todas as demais combinações provenientes de países ibéricos ou da América Latina são chamados “latinos”.

 


Ao analisar o grupo classificado como “branco”, que corresponde a três quartos do eleitorado dos EUA, nota-se que a escolaridade e o gênero foram variáveis importantes. Entre os eleitores brancos sem diploma universitário, Trump teve um apoio mais substancial, com 63% dos votos, enquanto Harris obteve apenas 35%. Essa diferença contrasta com o cenário entre eleitores brancos com diploma universitário, onde Harris liderou com 52%, contra 46% para Trump.


Além disso, os homens brancos apoiaram Trump de forma expressiva (62%), enquanto as mulheres brancas ficaram mais divididas (50% para Trump e 48% para Harris). Esses dados apontam para uma divisão socioeconômica e de gênero entre os eleitores brancos, sugerindo que as questões de classe, gênero e educação influenciaram significativamente o voto, reforçando o apoio a Trump entre quem valoriza mais um retorno a valores conservadores e a padrões econômicos do passado.


 

Grande parte das raízes do populismo conservador de Trump se encontra no fenômeno de empobrecimento relativo dos brancos de mais baixa educação nas últimas décadas em um país de maioria branca e que se organizou com instituições de forte conteúdo étnico.

 

Entre várias descrições e análises das diferentes facetas desse fenômeno, é bem interessante a feita pelo Nobel de Economia Angus Deaton, em coautoria com sua esposa, a também economista Anne Case. Em sua obra, Case e Deaton apontaram para uma “epidemia de desespero” nos EUA. Em parte, tal está relacionado ao fato de que desde o início dos anos 1970 o salário médio dos homens nos EUA está praticamente estacionado. Esse congelamento salarial, somado ao aumento das despesas médicas em um país sem um sistema de saúde como o SUS e aos problemas de saúde que causam afastamento do trabalho, é apontado como um dos principais motivos de falência e desespero no país.

 

Tal situação, por conta de algumas instituições fundamentais da psiquê americana, pesa sobremaneira em cima dos homens brancos, em especial daqueles com menor escolaridade. Os quais, em consequência, vêm ou se matando ou tendo suas vidas abreviadas por outras razões. Não só a taxa de suicídio nos EUA é a mais alta entre países ricos, como os EUA gastam mais com saúde do que outros países de alta renda, mas, mesmo assim, têm a menor expectativa de vida. Ou seja, um desastre humano em meio à opulência estruturada de uma forma que está literalmente reduzindo a expectativa de vida.

 

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O retorno de Trump à presidência ocorre em um contexto de tensões sociais e econômicas, onde o desejo por estabilidade se mistura a um cenário de insatisfação e ressentimento. Suas políticas vão redefinir alianças, distorcer fluxos econômicos e afetar o equilíbrio de poder mundial. Seu governo representa um teste não apenas para a política interna americana, mas também para a estabilidade emocional da ordem global. Hora em que a seriedade dos líderes e instituições dos demais países soberanos precisarão provar que são melhores.

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