Guerra de potências militares no Ártico
O Ártico abriga vastas reservas de petróleo, gás natural e minerais, tornando-se um polo de interesse geopolítico e econômico
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O Ártico, pouco lembrado e bastante falado por conta do banzé de Donald Trump com relação à Groelândia e ao Canadá, desempenha um papel fundamental em diversas dinâmicas globais. É uma região de alta importância estratégica, ambiental e econômica, cuja relevância aumenta com o passar do tempo.
Sua influência na regulação climática global é inegável, já que suas calotas de gelo atuam como um termostato natural, refletindo a radiação solar e mitigando o aquecimento global. Além disso, o Ártico abriga vastas reservas de petróleo, gás natural e minerais, tornando-se um polo de interesse geopolítico e econômico, especialmente à medida que o derretimento do gelo facilita o acesso a esses recursos. No âmbito ambiental, a região é um ecossistema imprescindível, lar de uma biodiversidade ímpar, cuja conservação é vital para a saúde do planeta. Por fim, o derretimento das geleiras está abrindo novas rotas de navegação, como a Passagem do Noroeste, transformando o Ártico em ponto estratégico para o comércio global.
Historicamente, o Ártico, cujas águas e ilhas sofrem com uma série de reivindicações contestadas de soberania, tem desempenhado um papel estratégico para os Estados Unidos, as potências europeias e a Rússia que ali desempenham infindáveis operações de vigilância.
Uma curiosidade é que a entrada dos EUA em território ártico se deu através da aquisição do Alasca, comprado dos russos em 1867. Atualmente, o Ártico continua a ser de vital importância para qualquer país que mais conseguir explorar a região. Além disso, como o derretimento do gelo está ampliando a fronteira agrícola na sua periferia e abrindo novas rotas de navegação entre o Atlântico ao Pacífico, novas formas de aproveitar economicamente essa região aparecem.
Ao mesmo tempo, a intensificação da presença militar de outras potências no Ártico, como a Rússia e, cada vez mais, a China, exige um equilíbrio cuidadoso entre defesa, sustentabilidade e cooperação internacional. Todavia, ser cuidadoso não é bem o que caracteriza Trump. Seu instinto, como fica claro com seus blefes com relação à Groelândia, ao Canadá e ao Panamá, é o de jogar com a imprevisibilidade de seus próprios atos e menosprezar práticas institucionalizadas.
Um esforço de institucionalização para a região foi a criação do Conselho do Ártico, estabelecido em 1996 para promover a cooperação, coordenação e suavizar a interação entre os chamados “Estados do Ártico”. Tanto os EUA quanto a Rússia têm assento no Conselho, o qual foca em questões ambientais e de desenvolvimento sustentável na região, e considerações militares. Para além das duas superpotências, são membros cinco países participantes do Mercado Comum Europeu, mais o Canadá.
Embora não seja um Estado do Ártico, a China participa do Conselho como “observador” se declarando um “Estado próximo do Ártico” como parte de sua estratégia para legitimar e ampliar sua influência na região. A política ártica da China inclui planos para lançar uma Rota da Seda Polar, conectando o Ártico à sua visão em torno do velho Império do Meio, através da sua iniciativa Cinturão e Rota.
A proposta de compra da Groenlândia ventilada já no primeiro governo Trump e repetida agora, reflete uma estratégia geopolítica de parte dos Estados Unidos para expandir sua influência no Ártico e ter acesso a recursos até então preservados sob o gelo. Da mesma forma, a ideia ainda mais esdrúxula de anexar o Canadá como estado seria uma tentativa de assegurar total controle sobre o corredor ártico e consolidar a América do Norte como um bloco unificado frente ao que imaginam ser a possibilidade de ações cada vez mais orquestradas entre a Rússia e a China, seja no Ártico, seja em outras esferas.
Entretanto, essas ambições enfrentam resistências óbvias e significativas. A União Europeia, que mantém interesses no Ártico por meio de países como a Dinamarca – que administra a Groenlândia, cada vez mais à vontade para se desligar de Copenhague –, dificilmente aceitaria ceder influência sobre a região sem contrapartidas vantajosas. A Rússia, por sua vez, veria tais movimentos como uma ameaça direta à sua posição estratégica e responderia com maior presença militar e diplomática na região. A China, provavelmente se oporia a um controle norte-americano ampliado.
Ademais, movimentos dos EUA para expandir sua presença sobre o Ártico intensificariam a lógica expansionista russa sobre a Ucrânia e demais territórios adjacentes. Afinal, todo o banzé viraria um suco contrário aos princípios do direito internacional estabelecidos no pós-1945, que insistem na preservação da soberania territorial e na resolução de disputas por meio da diplomacia. Ideias que parecem fazer parte de um mundo cada vez mais do passado.