Paulo Delgado
Paulo Delgado
MUNDO

Chicotadas entre as potências

As sanções contra a Rússia fortaleceram a economia local e desnudaram o enfraquecimento do poderio econômico das potências europeias e dos EUA

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EUA, China, Europa e Rússia, do jeito hostil com que estão se comportando, não terão credibilidade nem força para estabilizar a política e a economia mundial. Amanhã, completam-se três anos da invasão em larga escala da Ucrânia por Vladimir Putin. Após a ofensiva russa, Moscou foi alvo de uma enxurrada de sanções impostas por europeus e pelos EUA. Isso teve um efeito transformador sobre a economia russa. Pois, diferente do que se esperava, a tentativa de isolar economicamente a Rússia acabou saindo pela culatra. As punições fortaleceram a economia local e desnudaram o enfraquecimento do poderio econômico das potências europeias e dos EUA, realçando o oportunismo chinês.

 

 


A guerra na Ucrânia desencadeou a maior redistribuição de ativos dentro da Rússia desde o colapso da URSS. Com a saída das multinacionais europeias e estadunidenses, todo o capital físico e o “know-how” dessas empresas permaneceram em solo russo.

 


Apesar de a retração econômica ter ocorrido após a imposição das sanções, essa queda não durou mais do que 12 meses. A partir do segundo trimestre de 2023, o PIB russo passou a crescer de forma consistente, apresentando, inclusive, características de um crescimento real. Agora que os lucros, antes direcionados às sedes das multinacionais no exterior, permanecem no país e são reinvestidos ali pelos novos capitalistas ao modo russo, a economia apresenta sinais de maior dinamismo. Ou seja, no quesito "sanções com o intuito de fragilizar a economia russa", Europa e EUA fizeram uma grande lambança, prejudicando seus próprios interesses.


O historiador francês Fernand Braudel dizia que, quanto maior e mais generalizada for a crise, mais ela reforça os fortes e inferioriza os fracos, devolvendo “brutalmente” cada um ao seu devido lugar no tabuleiro global. Com seu corte mais amplo de análise da formação e evolução do capitalismo global, Braudel também argumentava que é apenas com a “identificação” entre o Estado e o capital que o capitalismo avança, transforma e triunfa.

 

 


Pois bem, essa identificação, que já vinha retornando na Rússia, perdurou em razão do colapso mal gerido da URSS e, agora, se intensifica de maneira substantiva com esse movimento de entrega dos ativos ocidentais aos russos. A qualidade dos novos donos do capital na Rússia só será colocada à prova com o tempo, mas a poderosa mescla volta a predominar em Moscou, a exemplo do que ocorre na China e nos EUA.


Caso alguém tenha alguma dúvida sobre se tal fato ocorreria nos EUA, basta se lembrar do papel de destaque ocupado pelos bilionários proprietários das principais empresas de tecnologia dos EUA na recente cerimônia de posse do presidente Donald Trump. Um deles, inclusive, admitiu, candidamente, que sua empresa trabalhará sim com o governo dos EUA para fazer valer seus interesses mundo afora.


Uma das características dos próximos anos, que ficará mais evidente que a rivalidade entre Estados, desemboca na rivalidade entre suas multinacionais e vice-versa, ou seja, a rivalidade entre multinacionais resulta na rivalidade entre seus respectivos Estados. E que a realidade maior do “mercado” global é de oligopólio e não de competição perfeita.


Seja na Rússia, com o fortalecimento de uma nova elite econômica alinhada ao Kremlin, seja nos Estados Unidos, onde a simbiose entre governo e megacorporações tecnológicas e afins se torna cada vez mais explícita, ou na China, onde o Partido Comunista mantém controle firme sobre os rumos do setor produtivo, o fato é que o capitalismo, em sua forma mais competitiva, exige essa interdependência estratégica entre o Estado e o capital para se consolidar. Bem como para se expandir em novas fronteiras. Fenômeno melhor resolvido na União Europeia, com sua vocação democrática, incluindo a riqueza de sua política de proteção social.

 

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De todo modo, os próximos anos tendem a ser marcados pelo rearranjo entre esses blocos de poder. Rearranjo que é fruto do voluntarismo ascendente de suas capitais. Isso terá impactos profundos sobre o comércio, a tecnologia e a segurança global.


Em tal quadro, as rivalidades econômicas e políticas se intensificam, enquanto novas alianças são formadas e velhas parcerias são testadas e mesmo desfeitas.


As chicotadas entre os quatro maiores jogadores do mundo atual, se continuarem, colocará em xeque o destino da ordem internacional vigente, e os países que não conseguirem se posicionar estrategicamente correm o risco de serem enclausurados na periferia do jogo geopolítico. Claro que a história é dinâmica e permite mudanças de estado entre fracos e fortes. O que as crises fazem é escancarar o preparo real de cada um naquele momento.

As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

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