Paulo Delgado
Paulo Delgado
COLUNA DO PAULO DELGADO

Amor pela Europa

O principal continente onde se vive e se preserva um conceito de ordem imaterial é a Europa. Pedras no caminho da paz são as ambições antiocidentais da Rússia

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Não foi por falta de pedra que acabou a Idade da Pedra. Estão aí, lascadas ou polidas, pedras da má política no meio do caminho dessa vida tão fatigada. O idealismo, superado pela ambição, se tornou estranho à política. A inteligência e o discernimento humanos foram subornados por governantes que falam sem cessar, impondo seu estado de espírito como se testassem a paciência de todos com suas rivalidades interesseiras. Há uma região do mundo a ser salva para que a humanidade possa ainda se salvar. Essa região é a Europa.

 

 

No balanço geral dos valores humanos, se não é a infelicidade que se busca, a civilização ocidental é a mais completa afirmação da busca decente pela vida humana e as trocas sociais elevadas à condição de patrimônio de todos.

No entanto, os principais pilares da sociedade moderna correm o risco de desaparecer diante de líderes que consideram que não existe aquilo que desconhecem. E, ao se comportarem como autoridades ameaçadoras — por vezes, ridículas — desonram o poder. Líderes que dão mais valor à eloquência das frases do que à verdade dos princípios. Perde força no mundo a crença em valores europeus, na ciência e na razão, na democracia como forma de governo, na liberdade como sua principal expressão e nos tribunais coletivos que fazem juízes mais fortes do que os poderosos.

 

 

O vácuo de ideias nos governos produz a aceitação do masoquismo e da ferocidade do discurso de autoridades que nem parecem tristes, destituídas de qualquer capacidade de escuta e despreocupadas por não conseguirem se fixar alguns minutos nas decisões que estão tomando ou nas palavras que expressam ao transmiti-las. O que oferecem são mercadorias para a servidão do cidadão desprotegido ou a admiração amedrontada diante de leis erradas e de países gigantes com gosto pelo engajamento político de seu povo em torno do autoritário. Governos personalistas, incapazes de refletir sobre o papel do mau governo na história das nações.

 

 

Mesmo que tenha expandido para todo o mundo seus valores, não com o objetivo de obter utilidade para si, mas produzindo um efeito grandioso e nobre na educação de inúmeros países que aspiravam evoluir com eles, a Europa hoje está ameaçada pelo silêncio de seus admiradores. Por isso, o valor cultural da Europa, por si só, já não basta para garantir a existência e a melhor influência do mundo civilizado.

 

 

E a expansão de seus valores culturais – o liberalismo, a democracia, as políticas sociais, a ciência do corpo e da alma, a cultura greco-latina, as artes e a música, a grandiosidade das igrejas e de seus santos peregrinos, o urbanismo responsável, a arquitetura respeitosa, suas fronteiras definidas e partilhadas – precisa ser protegida das garras de qualquer poder que se vangloria de sua força. Na situação atual, de tanto despreparo intelectual e político de fogosos líderes em ação, a força da história da Europa não é mais capaz de protegê-la dos riscos de perder sua soberania e de rebaixá-la à condição de subordinada.

 

 

O principal continente onde se vive e se preserva um conceito de ordem imaterial é a Europa. Pedras no caminho da paz são as ambições antiocidentais da Rússia, expressamente manifesta no sequestro que tenta fazer dos países da Europa central e do leste enraizados na cristandade romana. E nisso, são ainda mais disfarçados pela China, que se aproveita da liberdade econômica e da democracia que não concede ao seu povo para expandir seu domínio usando os valores dos outros como fragilidade a seu favor.

Os EUA, filho dileto dos ideais europeus, que sempre representaram um valor indiscutível e ajudaram na sua reconstrução, sendo por isso admirados e copiados, estão atirando pedras na Europa e não têm mais tal personalidade para defender valores supremos. Se reduzidos somente ao seu regime político, os Estados Unidos podem perder sua própria identidade multicultural e libertária, unindo-se aos regimes onde o aparelho de Estado é a única coisa que conta.

 

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O temor do destino e o medo do desamparo das sociedades frente ao poder só passa na cabeça de líderes humanistas. Lembro, aqui, do livro Minha Formação, de Joaquim Nabuco, que viveu o magnetismo do poder da aristocracia e da riqueza, mas nunca perdeu a consciência social superior que o fez lutar contra o sofrimento humano e trocar a diplomacia pela advocacia dos escravos.

É dele o belo elogio à civilização europeia que uso aqui de forma adaptada. Se o dilúvio novamente chegar, por força do egoísmo como é conduzida a política mundial, apenas a Europa, com sua história de superação de conflitos e sua contribuição para a elevação universal da cultura espiritual e material a serviço da inteligência humana, terá condições de construir uma nova arca e conduzir a humanidade a novos tempos.

As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

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