Semana passada, os governadores do Sul e Sudeste – com a honrosa exceção de Jorginho Melo, de Santa Catarina – reunidos em grupo deliberaram ingressar, cada um em suas respectivas assembleias legislativas, com projetos de elevação da alíquota padrão de ICMS – hoje em 17% a 18% –, alegando buscar equiparação a estados do Nordeste e Norte que já o vêm fazendo desde o ano corrente, de modo a recuperar “receitas perdidas” em decorrência de não mais poderem sobretaxar os três produtos que mais lhes trazem receita fiscal própria: os combustíveis, as contas de energia e as de telecomunicações.

A novidade da iniciativa de elevar a alíquota do ICMS – no caso, vai pular para a faixa de 19% a 21%, a depender do estado – não é por haver governadores correndo atrás de mais arrecadação, porque isso é sempre assim, mas pelo fato de, explícita e desaforadamente, o estarem fazendo de modo orquestrado e pactuado num documento para divulgação pública. Já temos visto muita coisa estranha neste nosso país que, a cada dia, parece dar mais um passo a se afastar do respeito às leis e às garantias fundamentais dos cidadãos. A democracia tão propalada não é a praticada. O Estado de Direito prometido na Constituição resulta, cada vez menos, em segurança jus-política para o cidadão pagador de impostos e cumpridor das leis.

O convescote que reuniu governadores para, em quase unanimidade, virem a público “dar uma satisfação à sociedade civil” é a notícia, com aviso prévio, de mais um assalto ao bolso de quem paga imposto, e que resultará na elevação geral dos preços ao consumidor. A novidade, como disse, está no caráter coordenado da iniciativa. Se fosse isso armado por empresas no setor privado, dir-se-ia estarem reunidas num cartel, que é um pacto firmado entre produtores para elevarem, em conjunto, os preços de certos bens ao consumidor. Cartéis são objeto de repressão legal, uma vez que identificada combinação para elevar preços o poder público é instado a intervir, desfazendo o acerto ilegal e punindo os participantes do conluio.

Curiosamente, ao se formar um cartel tributário para elevar preços via alta do ICMS, isso é descrito na nota emitida pelos governadores como um “fato inevitável”. Primeiro, em razão da mencionada decisão da Justiça em fazer valer algo de notório bom senso (“o ICMS de bens essenciais não pode ser abusivo e deve respeitar a alíquota padrão”). Os governadores se insurgem, alegando “prejuízo” à arrecadação por eles esperada. Só que ninguém pode querer se ressarcir por receitas apenas esperadas.

Esquecem-se os governadores, além disso, do prejuízo que os contribuintes do ICMS – todos nós – temos arcado, por décadas a fio, ao pagar alíquotas abusivas sobre combustíveis, energia e telefone. O prejuízo tem sido nosso, não deles. Mais ainda: o argumento principal dos governadores seria a reforma tributária que os estaria empurrando para buscar a maior arrecadação possível de ICMS entre os anos de 2024 e 2028, pois o texto aprovado da reforma indica que a futura repartição, entre os estados, da arrecadação geral do IBS (futuro substituto do ICMS) começará pela média obtida de receitas estaduais no quinquênio 2024-28.

CHEIA DE PROBLEMAS

De fato, é isso que está escrito no artigo 131 da tal PEC da reforma tributária. Nisso os governadores têm razão: o Congresso – a menos que ainda modifique essa “tonteria” na revisão final que ainda fará – é ele o responsável por provocar a “corrida” pela elevação do ICMS. A que ponto chegamos: uma legislação tributária mal concebida que, nem sequer promulgada, já deflagra uma cartelização inédita de governadores em torno do aumento do ICMS, tributo que só será extinto lá em 2033.

Que significa essa reação estapafúrdia dos governos estaduais? Várias pistas existem. A primeira: essa reforma tributária está cheia de problemas, tantos e tão graves que começam a pipocar antes mesmo de votada em caráter final. Segundo: o texto não simplifica nem desonera nada para o contribuinte, pelo contrário, até a indústria, setor que se julgava “ganhador” na redução da sua carga tributária, logo perceberá, quando anunciadas as alíquotas dos novos tributos, cuja soma irá a mais de 30%, que apenas “trocaram seis por meia dúzia”. A indústria e o agro não ganharão nada, e os serviços, de modo geral, pagarão um saldo indigesto pela elevação geral da futura carga tributária. Qual a vantagem para o cidadão na reforma? Não estamos vendo nenhuma.

Ainda dá tempo de consertar os piores defeitos da reforma tributária do consumo. Antes de tudo, é essencial coibir o cartel formado para inchar a alíquota, já enorme, do ICMS. A estropiada garantia constitucional da razoabilidade e da proporcionalidade dos tributos precisa ser resgatada. Essa seria, aliás, a função precípua de um Supremo Tribunal, se vocacionado para a defesa permanente e atenta do cidadão contribuinte em face dos avanços grotescos da máquina pública, cujo propósito tem se concentrado na extração da riqueza criada unicamente pela sociedade que produz e que paga pelos cambaleantes serviços públicos a ela ofertados.