Não é coisa pequena afirmar que um país como o nosso, complicado como o conhecemos, voltou à “normalidade”. Em entrevista nesta semana, um bem humorado ministro da Fazenda, Fernando Haddad, não afirmou menos do que isso: “o Brasil voltou à normalidade”. Escusado de puxar a sardinha para sua brasa, o ministro contabilizava, com a afirmação bombástica, uma soma de vitórias, principalmente no Congresso, trazidas pela aprovação, a toque de caixa, de um texto de reforma tributária do consumo e por uma lei de diretrizes orçamentárias sem déficit na cobertura das despesas diretas do governo federal.
O otimismo chapa-branca de Haddad faz parte do jogo de cena de qualquer ministro que pretende permanecer no cargo. Diga-se logo: com Haddad é melhor! Nem por isso se entenda como verdadeira a frase de que o Brasil voltou à normalidade, até porque o próprio ministro não se deu ao trabalho de explicar o que havia de “anormal”, na economia, ou no país, que a atual administração tenha tido o mérito de recolocar nos eixos.
Seria pelo fim da COVID? O vírus é insensível a políticos e a seus mandatos. Veio e foi embora, pelo menos como pandemia. Mérito da biologia e da ciência médica. O fim do desemprego e da carência alimentar? Longe disso. Temos ainda alto desemprego formal e enorme grau de informalidade. Pagamos tributos pesados até para comer. Torcemos que a futura isenção de impostos na cesta básica de alimentos vire lei, complementar à reforma tributária recém aprovada. E essa tal reforma, trará ela a normalidade do ministro? Sim, mas só muito depois de o ministro deixar de ser ministro. É um projeto polêmico, de implantação a perder de vista, que comemoramos como os salvados de um afundamento.
E as contas públicas, que são a missão diária do ministro? Continuam onde sempre estiveram, muito desequilibradas e com o endividamento federal apontando para o céu (ou para o inferno, se medirmos pela magnitude da conta de juros pagos este ano). Já são mais de R$ 700 bilhões de encargos financeiros neste 2023 – incidentes no “cartão de crédito” do governo federal, arcado por todos nós. Continuamos a ser o país dos cartões de crédito estourados, desde o da presidência da República, passando pelo Banco Central, pelas contas estaduais e da maioria dos municípios, para desembocar na falência dos orçamentos domésticos e das empresas, crucificados pelos encargos financeiros mais elevados do mundo.
Mas o articulista não pode deixar os leitores na mão em plena virada de ano. “Meu irmão, me conta uma coisa boa!”, me dirá o leitor aflito. Sim, há boas coisas que coroam 2023, como o desempenho excepcional da produção agrícola, que nos viabilizou resultado espetacular em dólares, com saldos recordes nas balanças comercial e de transações correntes, nos trazendo uma melhor avaliação do risco do Brasil lá fora, que promete, por sua vez, baixar o câmbio, com impacto direto sobre o custo da comida aqui dentro, ótima notícia para o consumidor apertado de contas a pagar, dívidas e mensalidades atrasadas.
Mas o ministro tem pouco a comemorar pelas vitórias do agronegócio, em geral desprezado pelo primeiro mandatário, o chefe de Haddad, cujo mau humor com os produtores rurais é notório. Portanto, o rol de novidades positivas tem pouco a ver com a “normalidade” supostamente conquistada pelo esforçado encarregado da saúde financeira do Brasil.
Melhor, talvez, fosse o ministro dizer: “Estamos voltando a ser iguais...”. Assim mesmo, sem completar a definição de igualdade. Iguais a quê? Iguais ao que temos sido desde o Plano Real que, neste próximo 2024, completará sua idade madura sem jamais haver realizado o propósito de estabilizar a economia para trazer de volta o maior crescimento da renda per capita.
Decorridos 30 anos, desde o advento do real em 1º de julho de 1994, continuamos bem iguais às décadas perdidas de então, portanto dentro da “normalidade” social-democrática, assim vista pelo ângulo político. O ministro atual ainda se chama Fernando e também é um social-democrata sério, tal como era o então ministro e, depois, presidente, Fernando Henrique. E Haddad, que não quer ser Henrique, quer muito ser presidente. Tudo igual.
A ênfase da economia também é igual: o papo é sempre sobre mais desenvolvimento; porém, a vida real nos empurra para o mesmo jogo negativo, de como extrair mais impostos da galera para a nutrição do monstro da máquina estatal que sustentamos. O novo pacote de Natal de Haddad é prova disso. Para isso, também foi aprovada a reforma tributária, sem cálculos, já que estes, se apresentados, provocariam um clamor nacional contra sua promulgação.
Portanto, a marcha do Estado contra a indústria não sofrerá alterações, tudo dentro da normalidade, inclusive com novos pacotes “de apoio” ao setor anunciados pelo ministro. E 2024 será bom, apesar da oposição do partido do governo contra o próprio governo, o que também é normal. E o resultado de 2024 será igualmente razoável, dentro da mediocridade normal pactuada pelos nossos representantes no Congresso Nacional.
No fim de 2024 teremos mais eleições, também normais, como temos tido, para garantir que fique tudo igual, mesmo que as promessas sejam para mudar tudo para melhor. Aliás, não dá para melhorar algo que foi pactuado pela alta administração velada do país para permanecer exatamente igual, dentro da mais estrita normalidade. Portanto, a boa notícia é: a felicidade está garantida em 2024, dentro da normalidade.