Em 2002, após sua primeira vitória presidencial, Lula não obteve de imediato a compreensão dos mercados e dos investidores de fora. O então jovem presidente eleito promoveu intensas conversas com outros setores do pensamento nacional, do agro à indústria, do comércio exterior ao setor financeiro, de modo a assimilar, como num curso-relâmpago, o que faz e o que se espera de um presidente eficaz na condução dos negócios de um país do porte e da projeção planetária do Brasil.
No seu primeiro mandato, Lula se revelou um aplicado e até ávido aprendiz sobre os temas que não dominava, da economia ao ambiente, das relações entre nações ao equilíbrio geopolítico. Digo isso pois pude ter com ele, desde 2003, algumas conversas reveladoras desse interesse e abertura, dessa vontade de escutar antes de concluir. Seus principais ministros – cito, sem ser exaustivo, Antônio Palocci, Roberto Rodrigues (homenageado semana passada pelo agro brasileiro), Luiz Furlan e Ciro Gomes, entre outros, muito capazes – eram, antes de tudo, conselheiros importantes do presidente-aprendiz. A disposição ao aprendizado permanente enriqueceu a primeira gestão de Lula. A economia logo se arrumou - contando com a mão firme de Henrique Meirelles no BC – e a forte entrada de capitais, no embalo do boom das commodities (efeito-China) aos poucos foi afrouxando o aperto na garganta do Brasil pela crônica falta de dólares em nossas parcas reservas.
A consequência econômica de Lula do primeiro mandato foi conseguir aumentar, gradual e solidamente, o poder aquisitivo das massas pobres, tornando o presidente “blindado” até mesmo de escândalos de corrupção rumorosos como foi, na época, o “Mensalão”. O que aprendemos, daqueles episódios do início deste século, tal como nos lembrava Keynes sobre outros eventos relativos ao fim da Primeira Guerra, em 1919, no século passado, é que as posições dos líderes políticos de um um país ou de um bloco de nações têm imensas consequências, nem sempre bem avaliadas pelos ganhos ou pelo desastre que acarretam. No episódio criticado pelo economista Lord Keynes (“As consequências econômicas da paz”, 1919) o excesso de penalidades imposto pelos Aliados sobre a derrotada Alemanha faria nascer o extremismo germânico, que afinal resultou na catástrofe do regime nazista. Milhões de vidas pagaram pelos erros do tratado de paz de Versailles.
O aprendizado de um líder só é interrompido quando o líder já não enxerga o contraditório político e não mais examina as consequências de suas posições. A empáfia ofusca a visão do aprendiz e o transforma num doutor de coisa nenhuma. As consequências econômicas disso são sempre terríveis. O Lula-aprendiz e virtuoso da política de 2003 se transformou no presidente sabe-tudo de 2023, com graves repercussões para o Brasil e sua economia nos anos à frente. Hoje, relativamente a 2003, nossa vantagem inicial é incomparavelmente maior: o aparato de política monetária-fiscal está instalado, as reservas do País são confortáveis, a máquina exportadora agro-mineral está ativa. Porém, o presidente não escuta como escutava, não dialoga para os lados, mas só com quem lhe faz espelho de suas cismas.
As consequências econômicas desse outro presidente Lula não tardarão a aparecer. O Brasil deixa de estar na lista dos países de interesse estratégico para investidores externos. As falas de Lula no campo fiscal, ressaltando a falta de gosto por buscar eficiência no gasto, contrasta com o esforço da quebrada Argentina de Miley em, ao menos, tentar um caminho de seriedade na despesa pública. Porém, nenhum outro desvio produzido pela soberba se compara ao arremedo de alinhamento político com o grupo do Hamas, produzido pelas últimas declarações do presidente em desfavor do povo de Israel. Ao abrir essa caixa de Pandora, Lula teria aberto uma porta corta-fogo que, uma vez acionada, vai continuar berrando uma estridente sirene de emergência até que cheguem bombeiros para apagar o fogo e desligar o alarme. O Brasil deu suas costas ao que conhecemos como bloco do Ocidente, composto por uma comunidade de países onde o respeito às liberdades civis é cobrado a sério nos tribunais, onde o voto limpo é a arma de proteção permanente do cidadão e a prática constante da oposição de ideias constitui o alimento para o progresso criativo das ciências e das artes. Hoje, o Brasil respira opressão e o presidente nada facilita para que os brasileiros se sintam à vontade para discordar, até com paixão e veemência, se assim lhes aprouver.
As consequências econômicas desse ambiente opressivo e do alinhamento internacional do Brasil a reconhecidos opressores de seus próprios cidadãos, nos afasta da invisível aliança de colaboração comercial e troca de aprendizados entre as nações respeitadoras do rodízio democrático.
Esta semana nos deixou, de surpresa, o colega decano da economia brasileira, Affonso Celso Pastore. O legado do pensamento econômico de Pastore não cabe, por óbvio, neste fecho. Mas toda sua obra de livros e artigos no jornal Estado de São Paulo é amarrada por um insistente lembrete aos seus leitores: decisões políticas SEMPRE produzem poderosas consequências na economia. As boas decisões trazem prosperidade; as más nos levam até à ruína. Se Pastore ainda pudesse escrever sobre as consequências econômicas da atual conjuntura nos estaria alertando, mais uma vez, com a competência e destreza que o caracterizava.