Não me refiro às folias que hoje abrem o carnaval 2024. As brincadeiras de Momo em nada se comparam, em malícia ou sequelas, àquelas jogadas em Brasília nos dias úteis do ano. As folias fiscais do Brasil oficial são as verdadeiras folias do diabo. O país segue enfeitiçado, desde longa data, pela ilusão de fazer a economia prosperar pelo mero avanço da gastança pública (“gasto é vida”, no dizer de uma ex-presidenta). Por quase cinco décadas, com essa fórmula mágica, temos só alcançado mais inflação, mais impostos e mais dívida. A esbórnia fiscal tornou o Orçamento federal uma coletânea de privilégios do tipo “meu pirão primeiro” que, não obstante, serve para manter de pé o arranjo politico-partidário da Constituição Federal de 1988, apelidado de estado democrático de direito.

Um regime político que produz malefícios fiscais tão evidentes contra os cidadãos que pagam a conta no fim do dia não merece a definição de democracia. O ano de 1979 marca o avanço desse reinado obscuro, de subsídios a grupos, financiados por puxadinhos tributários odiosos, como a famigerada Cofins, criada nos idos de 1980, em nome do “tudo pelo social”. Não exagero nas tintas rubras deste satânico processo de empobrecimento secular do povo brasileiro. O país, literalmente, “está no vermelho”.



Nossas contas fiscais no vermelho têm três causas principais:


(1) origem administrativa, quando gastamos além da receita, sem nem perguntar por quê, quando empregamos no setor público sem calcular o custo de mais um servidor no longo prazo (seus benefícios e mordomias, quando ativo; sua aposentadoria, pensão e saúde, quando inativo);

(2) origem previdenciária, pelo vermelho estrutural dos vários planos existentes – os do INSS e dos múltiplos “regimes especiais”, sempre deficitários – cujos rombos são arcados pelos empregados “de carteira assinada” e, também, por todos nós, consumidores, através da Cofins embutida em cada produto ou serviço prestado;

(3) por fim, a origem financeira do déficit, sempre escamoteada da visão do público. O impacto dos altos juros que o Tesouro e Banco Central se conformam em pagar para rolar seus papéis no mercado, os encargos mais elevados do planeta, são excluídos da despesa “total” no Relatório do Banco Central. Essa última conta, a de juros da dívida pública, é mesmo endiabrada. Em 2023, o estouro superou os R$ 600 bilhões. Mas há outras fogueiras nesse inferno: a Previdência social do INSS consumiu R$ 900 bilhões, perfazendo um déficit, só nesta rubrica, de cerca de R$ 300 bi. É muita folia pra pouco diabo.

A manutenção do esqueleto do nosso Estado democrático de direito, significa, na prática, um gasto total – só no plano federal – próximo de R$ 2,8 Trilhões. Pior. Ano passado, esse gasto total cresceu nada menos que 19%, em completo desalinho com qualquer outro orçamento no setor privado que paga a conta (Gráfico).

O satanismo fiscal brasileiro ocorre de modo consentido e permanente. É obra de décadas de manipulação da percepção da população. O grosso dos eleitores parece convencido que é melhor apoiar mais um anúncio de gasto do governo por estarmos convencidos que nosso dia de sorte na fila dos benefícios ainda haverá de chegar.

A dissimulação faz parte da folia oficial. “Juros não se pagam, apenas se rolam”. Mas quais juros nunca se pagam? Ao falar de juros estamos questionando os mais profundos interesses do diabo. Se ele confessasse quanto custa “rolar” a dívida que queima os brasileiros na fogueira fiscal, saberíamos que o país não tem crescido o suficiente nem para tapar o buraco dos juros reais cobrados. O país paga juros perdendo em crescimento e empregos. De fato, os encargos financeiros “reais” da dívida federal se aproximaram de 6% ao ano. O Brasil mal consegue encostar na metade desse ritmo (3%) em termos de crescimento da sua sufocada economia. Ou seja, vamos deixando acumulados – ou seja, no “vermelho”, todos os anos – cerca de metade dos juros reais, fazendo engrossar a dívida como proporção do PIB do país.

Na matemática atroz da folia fiscal, o fogo do inferno é embalado pelos ventos constantes da política de interesses, vigiada pelos líderes políticos, para que o edifício de pactos paralelos – combinados, mas não escritos – não faça ruir a estrutura do prédio com os privilegiados dentro. Na perspectiva desse espetáculo de inferno fiscal, pouco nos resta além de sorrir, num esgalhar condescendente, diante da ingênua alegria do povo, nos poucos dias de feriado carnavalesco em que nossos pecados ainda não pagam juros nem penitência ao diabo. 

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