Gráfico mostra a evolução da crise fiscal no Brasil nos últimos 10 anos -  (crédito: Reprodução)

Gráfico mostra a evolução da crise fiscal no Brasil nos últimos 10 anos

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Há dez anos, em 2014, se iniciava uma “crise fiscal” no país, em meio à acirrada disputa entre Dilma e Aécio pela Presidência da República. Prevaleceu Dilma, por pequena margem de votos. E entramos, em 2015, no segundo mandato da petista, com novo ministro na Fazenda e alguma expectativa de que ainda se pudesse reverter a tal crise fiscal, dada a forte elevação da despesa pública real, combinada com exaustão dos fatores de crescimento puxados pelo governo (fartos créditos direcionados via BB, BNDES, CAIXA, e múltiplas frentes de gastos, via PAC).

O então ministro Joaquim Levy, bom de projeções, foi o primeiro a tentar frear o avanço das despesas. Seguiram-se os bancos públicos, deixando na mão vários financiamentos já apalavrados com o setor de infraestrutura. O Banco Central veio junto, elevando todo o perfil de taxas de juros. Típica indução de freada recessiva. Nos meses seguintes, ficou clara a profundidade da crise fiscal, com arrecadação em queda e com despesas resistentes à baixa. E a conta de juros da dívida federal, que não parava de crescer. O déficit fiscal total saltou a um nível de quase 9% do PIB, o equivalente a cerca de R$1 trilhão de reais, em preços atuais.

Essa enorme desarrumação da economia foi contornada mais adiante, entre 2016 e 2018, já na gestão de Michel Temer. Mas aquela escorregada fiscal deixou marcas profundas e sequelas até hoje. No lado político, houve o impedimento de Dilma, ruim em quase todos os sentidos. Os que vieram fazer o dever de casa, Michel Temer e seu ministro H. Meirelles, promoveram a mudança dolorosa ao enviar ao Congresso uma regra dura de Teto de Gastos, aprovada com desgastes. Outras relevantes reformas foram votadas, mas não houve fôlego político para aprovar a principal, a da Previdência, que ficou para o início da gestão Bolsonaro/Guedes.

A lembrança dessa enorme derrapada entre os períodos Dilma e Temer é essencial para entender por que o atual governo, Lula III, arrisca seu próprio pescoço, repetindo, quase sem novidades, o mesmo percurso de Dilma entre 2011 e 2014: tentar inflar a bola da economia e, em seguida, arriscar vê-la explodir mais à frente. Em linguagem de economistas, isso se dá por um afrouxamento da política fiscal (mais despesas públicas sem cobertura) e concomitante relaxamento da política monetária. Esta última, no entanto, hoje é temperada por um Banco Central com autonomia legal e que se revela menos disposto a afrouxar o juro da Selic, embora este venha caindo.

No fim das contas, para realizar o novo “milagre” de uma economia em franco crescimento, Lula precisa gastar muito, e rápido. Tem uma eleição local importante em novembro e outra, dois anos após. Gastar sim, mesmo que, para tanto, seja imperativo atropelar as metas estabelecidas no novo Arcabouço Fiscal, que substituiu o Teto de Gastos das gestões ditas “conservadoras”. O presidente já disse que o fará. A meta fiscal passou a ser referência, quase uma mentira de salão.

Há aqui uma curiosidade numérica. Comparando os períodos Dilma II com Lula III, em termos de afundamento fiscal, o déficit fiscal de hoje (Lula III) já encostou no pior momento do mandato da sua predecessora. São quase 9% de déficit total, incluindo juros, tal como a conta deveria ser feita sempre.

Estamos, mais uma vez, vivendo a alegria de uma mistificação coletiva. Não há meta de crescimento, mas alimenta-se um impulso coletivo para todos gastarem mais. E estamos gastando. Isso gera mais empregos, enquanto a roda dos gastos públicos e privados se mantiver a girar. O governo não segura seu gasto corrente, que toma o espaço dos investimentos no Orçamento da União. Nunca investimos tão pouco. Mas como dinheiro não tem carimbo, o gasto corrente do governo impulsiona a roda da economia e parece comprovar que, afinal, “gasto é vida”. É mesmo; por tempo limitado. Este governo não tem plano de voo nem meta planejada de crescimento. Há décadas não se planeja. Juscelino planejou. Governos militares o imitaram nisso. Nunca mais. Por isso, a meta de crescer é “o que der”. Mais uma mentirinha. Com graves desdobramentos.

É provável que a conjuntura mundial não colabore tanto com as intenções políticas de Lula quanto contribuiu nos mandatos I e II. Sem o empurrão do agronegócio, o país não crescerá além de 2% na média, bem abaixo do necessário para bancar a gastança programada por Brasília, com suas PECs de bondades para magistrados e emendas bilionárias para as bases parlamentares.

Essa seriedade de mentirinha também não faz bem ao tecido social, pois dissolve o respeito às leis e às autoridades. A próxima crise, por enquanto, é apenas conjectura. Mas não se trata de mais uma mentira.