Há uma faixa na escalada do Monte Everest – o mais alto do mundo – conhecida pelos alpinistas como a Zona da Morte. Nessa faixa, dos 8 mil metros de altitude até o cume, aos 8.849m, os escaladores enfrentam perda acelerada de oxigenação, congelamento de extremidades, falência de órgãos e morte, sem aviso-prévio. Nada mais parecido com o quadro dos riscos associados à atual escalada dos juros da dívida pública brasileira. Nas últimas semanas, a desintegração da confiança no núcleo de comando do governo vem empurrando o juro acima da linha dos 6%, divisória da Zona da Morte na economia.

A MP do “Fim do mundo”, que bloqueava o uso dos créditos do PIS-Cofins, colaborou para derrotar essa confiança. A crise das importações chinesas livres de imposto (as “blusinhas”) mostrou quão escassa é a sensibilidade e o diálogo efetivo do comando da economia com os setores produtivos. Outra crise já se ensaia agora no escândalo do suspeitíssimo leilão de importação de arroz.  E lá se vai o juro da trilionária dívida pública, escalando o Everest do risco financeiro. Se fosse de Minas, Haddad estaria gemendo algo como “Num tô mais dando conta disso não, sô!”.

Isso se chama, em bom português, uma aguda crise de confiança na gestão econômica. Ela se espalha pela economia, derrubando indicadores bons e fazendo explodir os ruins. O mais cruel deles é o espelhado pelos juros exigidos pelos investidores em papeis de dívida do governo de vencimento dilatado, como mostrado no quadro.

O exame dos altos e baixos da remuneração ao papel NTN-B 2045 mostra quanto conseguimos melhorar, nos primeiros mandatos de Lula, em termos de confiança na gestão da política econômica (isto é, confiança em alta, juro real em baixa) para, em seguida, devolver todo aquele ganho na virada dos mandatos de Dilma I para II, até o impeachment em 2016, quando o nível do juro real já voltara para a Zona da Morte. O sucessor de Dilma, presidente Michel Temer, entregou o prometido em matéria desse indicador de confiança, pois os juros reais vieram caindo até o advento de Bolsonaro. O ambiente de risco, porém, não facilitou para este último, mesmo tendo um Messias no nome, pois o juro real veio escalando novas altas, até retornar à Zona da Morte, já na virada para o Lula III.

O país entrou em 2023 numa encruzilhada: o Lula III, por estar perigosamente vizinho da Zona da Morte, teria que saber mesclar, com maestria, prudência e ousadia, um melhor controle fiscal com a rearticulação das forças do crescimento. Mas nada disso aconteceu. O quadro mostra uma Zona de Conforto, da qual estivemos afastados por quase duas décadas perdidas. Tínhamos que reaprender o caminho até essa Zona de Conforto. O novo Arcabouço Fiscal de Haddad prometia nos entregar isso. Porém, o curto ensaio de partida do governo Lula, mirando naquela direção, logo se frustrou e todos sabemos por quê. Se o presidente  não demonstra saber para onde vai, é difícil apostar que os investidores o sigam. Especuladores, pelo contrário, terão prazer em fazê-lo, até porque apostarão contra ele.

Voltamos, de novo, para a Zona da Morte do juro insustentável. O mercado passa a exigir explicações. Uma medida razoável da confiança na gestão econômica é quando se faz a comparação da linha do juro real com o limite da Zona de Conforto que, no caso brasileiro, seria com um nível de juro real não superior a 3% ao ano (já deduzindo a inflação). Por quê? É que nenhum país consegue gerar receitas fiscais para servir sua dívida quando o juro incidente fica acima do que o PIB desse país consegue crescer, ano a ano. Se o PIB anual não cresce mais do que, digamos, 3% entre anos-bons e menos bons (o Brasil empata nos 2% ao ano), ao curso de vários anos tal economia não conseguirá honrar seus encargos anuais se os juros excederem esse patamar. Nesse caso, o melhor é começar a rezar. A regra é: os juros não podem ficar acima dos 3% reais por muito tempo.

O próprio Banco Central, quando eleva juros aos 6% reais – como atualmente – deveria, a rigor, emitir alertas com letras vermelhas, confessando que está estrangulando o meio produtivo, não por convicção ou maldade, mas por mandato legal, que nos joga no porão da morte da economia produtiva. Conclusão: há quase duas décadas, entre melhores e piores tentativas, temos sido, como sociedade – todos nós – incapazes de calibrar uma dosagem correta de elevado controle fiscal (que não é igual a meros cortes de gastos) com reduzido aperto monetário.

De fato, sempre com mira torta, temos praticado uma mistura de esbórnia fiscal, servida no almoço, com sopa de “chubinho” monetário, tomada na janta. Esse é o menu típico da Zona da Morte: perda acelerada do oxigênio da eficiência, falência geral da produtividade e morte fria e silenciosa das oportunidades de futuro, lentamente nos fazendo deslizar até a escuridão do desalento. Melhor rezar. Ou mudar.



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