Deputado Aguinaldo Ribeiro percebeu que a reforma não passaria se os alimentos viessem a ser todos tributados numa alíquota de 25% -  (crédito: ZECA RIBEIRO/CÂMARA DOS DEPUTADOS)

Deputado Aguinaldo Ribeiro percebeu que a reforma não passaria se os alimentos viessem a ser todos tributados numa alíquota de 25%

crédito: ZECA RIBEIRO/CÂMARA DOS DEPUTADOS

A regulamentação do núcleo da reforma tributária, votada pela Câmara dos Deputados nesta semana, nos revelou a sanha arrecadadora do governo, mas também a disposição da sociedade de reagir à escalada tributária ensaiada pelo Ministério da Fazenda. As frentes parlamentares trabalharam para manter os tratamentos diferenciados previstos na Emenda Constitucional aprovada no fim do ano passado. No entanto, o presidente da Câmara, Arthur Lira, impôs o mesmo ritmo atropelado que marcou votações anteriores da reforma. O projeto final foi apresentado apenas minutos antes da votação em Plenário. Poder-se-ia dizer que a aprovação dessa regulamentação dos tributos do consumo foi alcançada “aos tapas”.

 

Leia também: Plano Real completa 30 anos: valeu a pena?

 

Alguns temas, contudo, deixaram entrever consensos realmente majoritários, como foi a votação do destaque em favor de incluir as fontes de proteínas de origem animal – carnes e peixes – na lista da Cesta Básica Nacional de Alimentos (CBNA), instituída no texto da reforma pelo deputado Aguinaldo Ribeiro. Um ano atrás, Aguinaldo percebeu que a reforma não passaria se os alimentos viessem a ser todos tributados numa alíquota de 25%, como se cogitava a tal “alíquota única” do imposto do consumo de bens e serviços.


Nenhum parlamentar iria votar contra seus eleitores, taxando arroz, feijão, ovo e carnes em 25%. Nem tinha cabimento o argumento da Fazenda, de que haveria uma posterior devolução desse enorme tributo aos consumidores incluídos no Cadastro Único. E os milhões de carentes fora do Cadastro? E as dezenas de milhões na classe média, que também chegam ao fim do mês com o laço no pescoço de seus orçamentos familiares? Aguinaldo teve a visão do senso comum: era preciso proteger a cesta alimentar e os medicamentos essenciais da fome de arrecadação dos governos. Assim nasceu um conceito novo de cesta alimentar ampla, regionalmente diversificada, saudável e nutritiva. Assim nascia também a ideia de que os alimentos saudáveis e nutritivos não devem constituir base para o governo arrecadar.

 


A conjunção de esforços das frentes parlamentares com as associações representativas dos consumidores, como a ABRAS (supermercados), resultou numa votação consagradora pela inclusão das carnes e peixes à cesta alimentar nacional, num placar de 477 a 3. Foi uma comemoração “aos beijos” do interesse maior de todos os consumidores – alimentação saudável sem imposto – com a melhor prática tributária de grandes países, de não taxar alimentos ou, quando muito, não passar dos 10%.


O novo sistema tributário do consumo acabou sendo regulamentado com cinco níveis implícitos de taxação (Quadro). Haverá uma faixa à qual se aplicará a alíquota-padrão, estimada em até 27%. Nesse nível de “alíquota cheia” devem estar cerca de 40% do valor de bens, serviços e direitos. Os demais 60% do consumo nacional serão tributados conforme três níveis mais baixos, e um nível mais alto, este agravado pelo chamado “imposto seletivo, o IS”. Nos níveis inferiores ao padrão de 27% haverá três faixas, sendo a mais baixa – alíquota zero ou isenta – aquela que inclui a cesta alimentar nacional, medicamentos essenciais, livros, cooperativas – seguida da faixa com 60% de redução sobre a alíquota cheia (10,8% de alíquota) para outros produtos alimentares fora da cesta, produtos e insumos agropecuários, serviços de saúde e educação e, finalmente, a faixa com 30% de redução e alíquota próxima a 19%, abrangendo vasta gama de serviços profissionais.


Haverá, ainda, os “regimes específicos” do imposto, com valores a ser definidos, sobre as atividades bancárias, seguros, aluguéis, venda de autos usados e imóveis. Por último, bem escondido nas entranhas da nova sistemática de tributação, está o famigerado IPI, terrível imposto sobre produtos industrializados,  que foi mantido para se poder continuar gravando os produtos nacionais que concorrem com os fabricados na Zona Franca de Manaus; de todas, esta é a maior das excrescências de uma reforma que nasceu com a promessa de simplificar a tributação no Brasil e, se possível, desonerar os produtos e reduzir a quantidade de impostos incidentes.


No final, saiu da Câmara dos Deputados uma estrutura de tributação do consumo com CINCO níveis de taxação. Por cima desse novo sistema, o IPI continuará a complicar a vida da indústria, bem como variados regimes específicos cuja regulamentação ainda está por ser definida. No saldo parcial dessa experiência de mudança da tributação nacional, entre tapas e beijos, emergem duas constatações preocupantes. Primeiro, a posição da indústria, que saiu mais estapeada do que beijada. Não houve avanço significativo da desoneração industrial. Não vimos quase ninguém se importar se os produtos brasileiros ficarão mais competitivos ao fim de tanta trabalheira. Mas essa pergunta só teria resposta adequada se o Congresso quisesse encarar a fonte verdadeira da pesada tributação, que é a despesa pública altamente descontrolada e rígida, sem prover os serviços públicos essenciais que tamanhos gastos exigiriam em contrapartida. Essa é a realidade ainda a ser encarada numa futura revisão constitucional do País, quando as deliberações puderem dispensar os tapas e beijos.