Arte -  (crédito: Arte)

Arte

crédito: Arte

 Nos anos 1960, o saudoso satírico social Juca Chaves compôs uma marchinha sobre a proverbial falta de bom-senso do Brasil em temas relevantes. Mordaz, Juca Chaves criticava a compra de um porta-aviões inglês, da 2ª guerra mundial, rebatizado aqui de Minas Gerais. A marchinha de Juca começava dizendo: “O Brasil já vai à guerra / Comprou um porta-aviões / Um viva pra Inglaterra / De oitenta e dois bilhões / Mas que ladrões /.


De lá para cá, mais de meio século passado, parece haver aumentado o tamanho das “quinquilharias” (como assim as apelidava o próprio Juca) que ornam a passagem dos políticos por Brasília. São milhares de obras inacabadas, segundo o TCU – Tribunal de Contas da União – e dezenas de políticas públicas, anunciadas em cerimônias de salão, no Palácio do Planalto, sem qualquer propósito de prosseguimento. A missão se extingue no anúncio, como a compra do Minas Gerais, que se consumiu no próprio ato, sem finalidade alguma, senão a de gerar gastos milionários de manutenção, por 40 anos até a venda da provecta embarcação, como sucata, a um grupo indiano.

 


Porém, os desperdícios da “guerra” invisível para a qual o Brasil se preparou, ao comprar o Minas Gerais, correspondem a uma ninharia de gasto se comparado à torrente que hoje chamamos, bondosamente, de orçamento público. Hoje, a unidade de gastança não são mais milhões nem bilhões e, sim, trilhões. Um desses trilhões, provém do serviço financeiro da dívida federal, acumulada ao longo de décadas de déficits orçamentários não equacionados no devido tempo. A dívida pública, de quase nove trilhões de reais (!), espalhada em vencimentos apertados, exige juros de rolagem que hoje se aproximam de um trilhão (cerca de 850 bilhões na última apuração).

 

Israel x Irã: petróleo dispara no mercado internacional


A dívida interna é um colossal porta-aviões, navegando sem rumo certo, no oceano financeiro do Brasil. E consumindo “óleo” (juros reais) em volume sem precedentes na gestão financeira de qualquer outro débito nacional, até mesmo de países pré-falimentares como a Argentina. Fica a pergunta: é o mercado que define o nível dessa sangria permanente? Não! É no próprio aparato de governo, ali entre o prédio da Fazenda e o do Banco Central, que tal conta de juros é definida. O Copom, comitê que determina a taxa Selic – juros que incidirão sobre a rolagem da dívida – tem como papel principal inibir o avanço da economia privada (e por quê?) na esperança de, com isso, frear uma suposta alta da inflação. Ao aplicar tal remédio, os juros contratados para anular o setor produtivo são os mesmos que irão inflar a conta de despesa financeira do governo, numa manobra estúpida a ser bancada pelo setor privado, que já estará suportando o baque do juro alto nas suas próprias atividades. O país está dividido em dois grupos: os gastadores-ganhadores e os pagadores-perdedores, como no quadro. Os pagadores bancam o que os gastadores esbanjam.

 

Garrafa com ouro e diamantes vai a leilão para financiar ações na Amazônia


Se você não entendeu essa lógica dos juros altos como remédio universal para se obter a “estabilidade nacional de preços”, então se pode afirmar que você passou a desconfiar das lorotas oficiais, para se juntar a Juca Chaves na marchinha do porta-aviões Minas Gerais. Da sua parte, o Banco Central apenas lamenta, em atas do Copom, que o governo não faça a parte dele. O atual presidente Campos Neto, de saída do cargo, pontua que o país ainda vai precisar de um “choque fiscal”. Se fosse nos anos 1960, ele estaria dizendo algo como: “O Brasil ainda vai ter que vender esse porta-aviões...”. Qual o significado, afinal, dessa mensagem ao outro lado da rua, o Ministério da Fazenda e o do Planejamento, se este outro lado do governo se senta com o Banco Central, periodicamente, num sítio chamado Conselho Monetário Nacional? O tal CMN tem toda a aparência de inutilidade como órgão de formulação e comando. Seria o CMN mais um entre as dezenas de órgãos públicos inúteis? Como os de controle de queimadas, talvez?

 

Aneel defende taxa extra na conta de luz depois de queixas de ministério


Tal nível de desencontro político é recebido com abismal desinteresse pelo público que pagará a conta indigesta. Como um enorme Minas Gerais mal-assombrado, essa imensa embarcação de juros chamada dívida pública continuará navegando sem que, virtualmente, ninguém da marinha financeira do Brasil seja chamado a explicar por que o público terá que bancar quase um trilhão de juros, só em 2024, para bancar outro trilhão no ano seguinte e, depois, mais outro. A inércia da população é comparável à do sapo esquentando na panela. Sempre um pouco mais quentinho, mas ainda dando para suportar. O governo proporciona ao sapo um canudinho: a assistência social. Essa nova modalidade de gastança é até mais explosiva do que a dos juros (quadro). Levantamento recente da agência de informação Poder 360 nos revela que o tíquete do assistencialismo no país já se aproxima de meio trilhão de reais. O país dos pagadores extorquidos se compensa com fartura para o país dos gastadores assistidos. Extorsão do pagador de impostos e clientelismo político caminham sempre juntos. Em ambiente de extorsão oficial e assistencialismo disseminado, o incentivo ao ócio se nivela com o estímulo às apostas. O brasileiro extorquido e assistido só vê futuro viável nos Bets. É um tipo estranho de lógica, mas ela se encaixa no repúdio oficial aos rendimentos do trabalho e na aversão ao lucro como resultado do esforço empreendedor. Juros, cheques de assistência mensal e uma fezinha nas apostas, isso sim, é uma guerra à brasileira. E vamos às eleições, pois tem mais gente querendo embarcar nesse porta-aviões.