Para chefiar um novo Departamento de Eficiência Governamental, com a sigla DOGE, a ser criado no seu governo, o presidente eleito Donald Trump indicou o megaempresário Elon Musk, que aceitou essa missão pública em parceria com outro empreendedor de nome difícil, Vivek Ramaswamy.
O objetivo da dupla é o de propor uma nova estrutura de governo, mais enxuta e muito mais eficiente, que possa gerar economias de gastos com a máquina pública, rebaixando os US$ 6.5 trilhões de despesas federais anuais. Musk e seu colega terão prazo até o dia 4 de julho de 2026, quando Trump quer celebrar os 250 anos da Declaração de Independência dos EUA apresentando ao povo americano um Governo Eficiente.
O objetivo, tal como anunciado, é grandioso. Parte de um princípio fundamental, de que o governo americano, aliás como qualquer governo, é um acumulador de gastos que vão se reproduzindo, ano a ano, nos orçamentos públicos. Gastos de governo exigem revisões periódicas, com base em critérios objetivos e cotejo com os custos tributários incorridos. Esse é o tipo de avaliação que quase ninguém quer fazer na área pública. Até nas empresas privadas é preciso coragem e método para revisar orçamentos e buscar mais eficiência na execução de tarefas.
Eliminar burocracias inúteis e excesso de regulamentos, rever gastos estéreis e reestruturar órgãos e agências de governo, é como se resume a tarefa dos dois indicados por Trump. Há um precedente histórico importante nessa experiência: foi a nomeação do empresário J. Peter Grace, pelo então presidente eleito Ronald Reagan, em 1982, para realizar a mesma missão de enxugar a máquina de governo. Peter Grace criou grupos de trabalho com outros grandes executivos da época e, sem custos diretos para o taxpayer, varreu os escaninhos da administração americana e publicou, ao fim de quase dois anos de trabalho, um vasto relatório – o Grace Report – que obteve mais atenção da mídia do que do próprio governo Reagan. E por que tão grande esforço bateu na trave?
A ideia de implantar Eficiência num governo tem sempre um enorme apelo midiático e popular que, não obstante, encontra barreiras enormes quando interesses específicos – que são inúmeros – começam a ser afetados pelas medidas de contenção propostas. Foi o que ocorreu, na prática, com as recomendações do Grace Report. A maioria das recomendações do relatório Grace dependia de passar legislação nova no Congresso. Os parlamentares não estavam dispostos a desagradar grupos de eleitores afetados por cortes. Experiência semelhante vem acontecendo no Brasil, cada vez que competentes empresários são convocados a “dar sua colaboração ao governo”. A decepção desses colaboradores tem sido recorrente. Governos não funcionam como empresas e não “obedecem ao dono”. No governo, quem lidera precisa convencer, antes de comandar. Por isso, a experiência de trazer empresários de sucesso para o governo, poucas vezes dá certo.
Há dois outros desafios que precisarão ser equacionados pela dupla Musk - Vivek: primeiro, é o timing das medidas, a hora de deflagrar as mudanças. Os pontos de trava e burocracia precisam estar mapeados e as medidas de impacto, alinhavadas, logo após a posse de Trump, para se conseguir aprovar esses temas relevantes no Congresso até julho de 2026, mesmo contando com o fato de que os Republicanos terão maioria na Câmara e no Senado.
Em segundo plano, há um elemento de “ineficiência” no futuro Departamento de Eficiência de Trump: a nomeação bicéfala de dois mandantes para um só cargo e missão. Isso, certamente, é novidade em matéria de gestão e precisaria ser explicado pelo próprio Trump. Como diria nosso sábio Raul Seixas: “É muita estrela pra pouca constelação!”.
Por último, é saber se Musk terá rápido acesso aos custos da administração americana e aos meandros da burocracia. Esse é um desafio quase insuperável em outros países, como o nosso, por exemplo. Aqui no Brasil já se tentou implantar uma contabilidade de custos no governo federal, mas sem sucesso, até hoje. Em Brasília, não sabemos quanto, de fato, custa cada programa ou ação de governo, pois nem todas as despesas são apropriadas às ações incorridas. Portanto, no Brasil é quase impossível se afirmar se um gasto público “valeu a pena”. Simplesmente, se gasta e ponto.
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O resultado de gastos sem acompanhamento de seu retorno ou benefício efetivo é sempre um mistério sem solução. Como as metas não são, em geral, atingidas, a proposição é sempre a de se gastar mais! Se metas de educação ou saúde não são alcançadas, é porque não gastamos o suficiente. Gastemos mais.
Nos EUA, não é diferente. Lá existe uma demanda extra, por gastos militares, que nunca tem fim. Somados a gastos com saúde e assistência social e com juros da dívida pública, o déficit americano se tornou gigantesco. Vem sendo coberto com a colocação de mais dívida federal. Em cerca de 25 anos, a dívida americana, como proporção do PIB, subiu de menos de 60% para cerca de 120%, ou seja, dobrou de tamanho relativo, condenando os próximos administradores – a começar por Trump – a tentar reverter essa bola de neve de endividamento (ver o quadro).
Tal situação já era detectada no episódio conhecido como o estouro da “bolha” de Wall Street em 2008. Na época, uma agência brasileira de classificação de riscos – SR Rating – teve a ousadia de ser a primeira no mundo a rebaixar a nota de crédito dos EUA do nível triplo A para duplo A+. Isso foi considerado um despropósito, até que outras agências de risco americanas seguiram a opinião da agência brasileira. Desde então, os EUA têm fragilizado seu crédito ainda mais. O dólar tem perdido espaço. Esse desafio é o que significa “fazer os EUA serem grandes de novo” (make America great again). Eficiência é, sim, o nome do jogo. Mas dependerá de muito mais do que criar um departamento novo e nomear um guru do setor privado para fazer o milagre acontecer.