O presidente da Argentina, Javier Milei, acaba de completar seu primeiro ano à frente do governo no último dia 10 de dezembro. Em seu discurso de registro da data, Milei se referiu à Argentina como um país que foi resgatado do “pozo” – para nós, um poço ou buraco. A imagem é muito boa. Talvez merecesse um adjetivo a mais: um enorme poço, fundo e escuro. Esse é o tamanho da empreitada do novo presidente, um economista midiático e controvertido, que ganhou popularidade na TV e viralizou nas redes sociais, sem precisar de partidos políticos para bancar sua campanha presidencial. O povo, literalmente, o agarrou, como a uma espécie de corda de resgate na tentativa de se libertar do tal poço fundo e escuro. A grande pergunta é se a Argentina já conseguiu sair desse poço. Tudo indica que ainda não. O “cepo” cambial – termo usado por eles para o racionamento do governo na venda de dólares – é a melhor indicação de que a subida pela corda é difícil e as luzes do céu ainda não são visíveis de onde eles estão, lá de dentro do poço.

 


Os dados econômicos da Argentina melhoraram de modo substancial, mas sem surpresa, nos últimos meses até este mês de dezembro. A melhora não surpreende porque a economia argentina tem reagido de modo bem controlado – e esperado – ao tratamento financeiro e fiscal aplicado pela equipe do ministro Luís Caputo. Ao reduzir em mais de 30% os gastos em excesso às receitas fiscais do Estado argentino, Milei retirou parte dos pesos sem lastro – a moeda local que circula na economia – ao mesmo tempo em que conseguiu produzir, por isso mesmo, uma rápida redução da inflação. O preço social da terapia foi elevado: Milei cortou o acesso de milhões de pessoas a subsídios, vantagens e auxílios que, simplesmente, não poderiam continuar sendo bancados pelo falido orçamento da nação, pelo grave desequilíbrio causado por tais despesas para as contas públicas. O número de ministérios foi reduzido de modo radical, de 18 para apenas oito, enquanto, por comparação, Lula tenta aqui gerir 37. Numa forma direta, a Argentina pré-Milei operava como uma família super-endividada, que usava moeda falsa e vivia de rolar empréstimos ruinosos. O Banco Central imprimia notas de pesos como um falsário imprime cédulas falsas – emprestadas ao governo para fazer bonito junto à população, pagando aos argentinos parte de suas contas de luz, de gás e água, de tarifas de transportes coletivos, de escolas, remédios e hospitais, tudo por meio da emissão de pesos sem lastro, cujo valor frente ao dólar ia caindo dia-a-dia e, assim, produzindo uma inflação, em pesos, que chegou a mais de 25% ao mês nos meses anteriores à vitória de Milei. Esse foi o “pozo” fundo e escuro em que se afundaram nossos irmãos argentinos.

 




A Argentina começa, agora, a escalar pela corda lançada para dentro do poço pelas primeiras medidas econômicas. Um grande pacote de medidas foi aprovado pelo Congresso em junho deste ano. Como esperado, a inflação veio baixando e está contida em cerca de 2,7% mensais – dados de outubro – embora ainda muito alta. Com isso, o poder de compra dos argentinos voltou a melhorar e os níveis de empobrecimento – que haviam aumentado – também começam a recuar. As atividades econômicas em 2025 vão, com certeza, se recuperar. Já se projeta um ano de recuperação, com as atividades medidas pelo PIB do país crescendo na faixa de 5%. Contra uma queda de 3,5% no ano corrente, o número apontado para 2025 é mesmo para se comemorar.

 

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Mas interpretar números na Argentina requer cuidados especiais. Nenhum doente gravemente enfermo e hospitalizado pode receber alta e partir direto para jogar 90 minutos de futebol. A principal alavanca de qualquer país não são os gastos correntes das famílias ou do governo e, sim, os gastos de capital, ou seja, mais investimentos, que empreendedores locais e de fora decidem fazer no país. E esses investimentos apenas estão em gestação. Uma recente comitiva do governo Milei visitou São Paulo em dias passados para anunciar um novo Regime de Incentivo a grandes investimentos (RIGI). As intenções por trás do anúncio são as melhores possíveis, mas os investidores ficarão com pé atrás, esperando mais sinais de que o caminho da arrumação da casa, tomado por Milei, desta vez, é para valer. Promessas descumpridas pela Argentina são, infelizmente, uma torrente de palavras mais volumosa do que o Rio de la Plata. E Milei, pelo mandato em curso, dispõe de pouco tempo para ajustar e consertar muita coisa. Foram não só anos, mas décadas inteiras, de descalabro absoluto na gestão pública dos nossos vizinhos.

 

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Subir pela corda atirada para dentro do poço não é exercício fácil. Milei até poderá chegar ao topo e sair do poço, com muita ajuda externa e a influência de Donald Trump – um aliado relevante nessa hora – para tirar o Banco Central do sufoco do “cepo” e devolver uma perspectiva de tranquilidade financeira ao povo. Para isso, a Argentina de Milei precisa convencer os duros técnicos do FMI a aprovar um novo pedido de socorro – mais um, numa lista anterior de vários outros programas mal cumpridos – a fim de estabilizar a moeda e devolver poder de compra para os argentinos. Se esse socorro chegar em 2025, a Argentina terá o fim do cepo e começará a enxergar um céu. Até lá, no entanto, o Natal de Milei em 2024, embora feliz, ainda será à luz de velas.

 

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