Com a decisão de semana passada, a taxa básica de juros – a Selic – foi a 13,25%. O Brasil é agora a nação com a maior taxa de juros real do planeta, lembrando que a comparação é feita sempre descontando a taxa de inflação de cada país, embutida nos juros correntes. Calculando: se a Selic agora vale 13,25% e a inflação de 2024 foi de 4,8%, a taxa real de juros resulta da divisão entre 1,1325 e 1,048, que dá 1,08 ou 8% ao ano. Olhando para frente, a pesquisa Focus nos indica que, no final de 2025, o mercado já projeta a Selic em 15,1% e a inflação em 5,6%. Calculando de novo, o juro real campeão do mundo, no fim de 2025, irá a 9%. Mas no mercado bancário já se trabalha com taxas reais de 10% ou mais.

 


Se o tema não fosse gravíssimo, poderia se dizer que estamos diante de “uma farra do boi”. Mas farra pra quem? A gravidade do caso contém vários aspectos. Primeiro, pela repercussão financeira de uma Selic tão elevada. Ninguém consegue pagar apenas a Selic por um empréstimo bancário, salvo em linhas especiais do próprio governo. As taxas de empréstimo bancárias são baseadas na Selic, mas sempre muito acima desta, algo em torno do dobro da taxa do Banco Central, podendo ser muito maior.

 

Quadro

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Portanto, a alta de uma Selic é mortal para o planejamento financeiro do setor produtivo, sejam consumidores a prazo, compradores de imóveis ou empresários que investem. Apenas por esse aspecto, uma alta gravosa de juros deveria se revestir da maior solenidade e seriedade antes da sua decisão e anúncio. Mas no Brasil, não. Uma trombada nos juros básicos não escandaliza. A imprensa quase trata o coice dos juros como notícia velha pois, há décadas, que recorrer à alta de juros para controlar inflação se tornou uma espécie de cansativo BBB para os brasileiros.

 


Outro aspecto desconcertante, além do financeiro, é a repercussão distributiva de uma alta de juros. O lado ganhador se resume a meia dúzia de grupos, entre os quais os principais bancos, os emprestadores externos que vêm fazer uma fezinha no país do juro alto, os aplicadores internos e o próprio governo que lhes cobra imposto sobre as rendas financeiras. Já os perdedores são, literalmente, a massa da população, não só os mais pobres, cujos rendimentos cairão em função da redução do ritmo das atividades, mas também os consumidores, que enfrentarão maiores juros nos preços de tudo que compram, os empresários – por óbvio – mas, sobretudo, o pagador de impostos.


Sim, o contribuinte arcará com o serviço da dívida pública, sempre onerado por uma alta de juros. Cada ponto percentual de elevação sobre os encargos da dívida brasileira, hoje na casa de R$ 9 trilhões, acrescentam cerca de R$ 90 bilhões em juros por ano. Qualquer esforço fiscal fica jogado no lixo quando a Receita Federal tenta buscar mais R$ 90 bilhões em tributos (uma fortuna) mas o comitê do Banco Central, numa penada, eleva – como fará até março – em apenas duas rodadas de majoração de Selic, quase 200 bilhões de reais em juros, que serão transferidos do grosso da população para o bolso dos emprestadores do país e suas respectivas instituições financeiras.


Aliás, os bancos andam soltando foguetes silenciosos. O Itaú, maior instituição, acaba de anunciar um lucro, no último trimestre, de R$ 10,9 bilhões, perfazendo um resultado anual, em 2024, de R$ 41,4 bilhões de reais. Somando o resultado da banca como um todo, são números astronômicos que refletem uma nação de privilegiados dedicada a alimentar continuamente a roda financeira das dívidas públicas e privadas.


No meio privado, a solução tem sido dada pelos empresários e famílias: vender negócios lucrativos, buscar o ócio remunerado e, se possível, emigrar do país inviabilizado por uma gestão ruinosa e empedernida. Nada mais a fazer. No setor público, porém, as reações ao despautério financeiro do país são paradoxais.

Primeiro, é lembrar que uma alta de juros não rebaixa proventos de juiz, nem de ministro de Estado, tampouco de servidores públicos e, muito menos, de ministros das Cortes superiores.


E lembrando: não afeta em nada os subsídios dos parlamentares nem suas emendas, pois a rubrica dos encargos de juros não entra na lei orçamentária votada anualmente. Em suma, se os juros forem até a Lua, nada se mexerá no governo brasileiro, nem no nosso Legislativo, menos ainda no Judiciário. Os indivíduos que chamamos de “governantes” terão apenas que se explicar, jogando a culpa dos juros sobre o adversário de sua preferência. A imprensa, algo confusa, tentará buscar uma linha de razão em toda a confusão, sem encontrar pista que indique de quem seria a tal culpa por juros tão altos. Os ganhadores comemorarão num silêncio ensurdecedor. Nós pagaremos a conta.


Há, por último, o aspecto moral. O Brasil se impõe uma regra rígida de elevar juros em função da alta da inflação, quer sentida ou prevista. Desde o Plano Real tem sido assim e por bom motivo: sabemos o que é o inferno inflacionário. Quando o Plano Real foi concebido, não se supôs que iríamos trocar o inferno da inflação pelos juros mais altos do mundo e, por consequência, pela carga tributária mais gravosa do planeta. Foi uma troca espúria. Ignorante. Estúpida. O país vive hoje um novo inferno que é a punição do trabalho, a glorificação da renda financeira e o espetáculo do ócio entre milhões de assistidos oficiais, tudo como efeito direto ou indireto de uma regra rígida de combate à inflação por via de juros altos. Não faz o mínimo sentido.


Mas teria solução? Sempre há uma boa solução. Neste caso, o que foi dito antes explica onde a saída está. É preciso envolver quem ainda está fora desse jogo. É preciso envolver o lado fiscal dentro da regra monetária. Só isso. Quando o juro subir, os primeiros a responder deverão ser os agentes públicos. Com seus próprios rendimentos.


O ministro da Fazenda, que responde pelo Conselho Monetário Nacional – hoje um conselho-zumbi – terá que apresentar seu plano de readequação ou seu plano de demissão. Esta semana, diante desse exato problema, um apático Fernando Haddad apresentou um apanhado de 25 “providências”, nenhuma delas relacionada ao confronto fiscal – leia-se, contenção de despesas – para brecar a alta do juro Selic. Haddad se limitou a levar a lamentável lista de inutilidades ao novo presidente da Câmara. A reunião transcorreu como previsto, resultando em rigorosamente nada. E de fato, hoje esses senhores não têm rigorosamente nada a ver com o escândalo dos maiores juros planetários. Eles, pelo contrário, são sócios desse escândalo. 

 
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