Conforme escrevi para O Dia, do Rio de Janeiro, há duas semanas, surpreendeu-me o convite que Lula da Silva fez a jornalistas para um café da manhã há cerca de um mês, visando, basicamente, a passar com precisão a mensagem de que, se fosse pressionado a cortar investimentos em infraestrutura o ano que vem, desistiria de tentar cumprir a promessa que o ministro Haddad, ausente à reunião, fizera de zerar o déficit primário da União em 2024, no contexto do chamado Arcabouço Fiscal. Ou seja, Lula disse com precisão que o governo usaria parte do dinheiro que se pretende poupar (algo que ocorre exatamente quando se tem um saldo primário positivo) para promover um aumento no gasto em infraestrutura.
Para alguns, pareceu combinação prévia de Lula com Haddad, pois, sagaz como costuma ser, Lula pode bem ter lhe dado a missão de acalmar à parte os mercados financeiros, enquanto defenderia abertamente uma posição favorável a maiores gastos, algo que muitos não estranhariam que partisse dele, especialmente quando se verifica que nos dois mandatos e meio que Lula assumira antes, o gasto havia crescido, em média, 6% ao ano acima da inflação, algo que circula abertamente na Faria Lima.
A verdade é que, em que pese certos problemas que podem ser criados, Lula bem sabe que, para a economia crescer mais, é preciso investir mais. Só que o problema que temos por aqui é bem mais complicado do que essa simples frase pode implicar, ou seja, existe algo a ser combatido, que precisa ser bem explicado e depois tomadas as devidas providências. Nesse sentido, lá “atrás das cortinas” está a explosão dos déficits previdenciários que muito poucos reconhecem, algo que, ao longo dos anos, muito se deve a problemas de inadequada gestão, mas em parte simplesmente se explica por razões demográficas, ou porque as mulheres estão tendo menos filhos (e daí a ocorrência de menores contribuições – ou seja, receitas) e porque as pessoas estão vivendo mais (e, assim, recebendo benefícios por muito mais tempo – ou seja, despesas).
Deve-se ter clareza de que tais déficits gigantescos têm de ser devidamente enfrentados pelos entes públicos, que, por trás de tudo, se vêm diante da difícil missão de escolher como vão dividir um bolo limitado de receitas entre: (1) a cobertura desses déficits em si, enquanto ações específicas para combatê-los não surtirem efeito; (2) os investimentos em infraestrutura – fundamentais para o crescimento da economia e das receitas, e também (3) para pagar parte do serviço da dívida e manter seu controle, conforme tanto pressionam os mercados financeiros e, na mesma toada, as autoridades fazendárias.
Como parte desse mesmo imbróglio, surgiu, nas últimas semanas, uma intensa discussão na mídia envolvendo a difícil situação financeira do estado de Minas Gerais, que levou, há algum tempo, à suspensão da amortização de sua dívida junto à União, sua grande credora, cujo resgate, ainda que parcial, estaria, segundo mineiros combativos, sendo cobrado injustamente pelas autoridades econômicas de Brasília. Isso vem sendo apregoado por destacadas lideranças políticas locais como o governador e o presidente da Assembleia Legislativa, ultimamente liderados em Brasília pelo próprio presidente do Senado e um ministro de Lula, ambos também mineiros.
Nesse ponto, faz sentido demonstrar numericamente quão descomunal é o peso do problema previdenciário no setor publico brasileiro, e, em particular o de Minas Gerais, embora não se assista a uma menção sequer a esse problema nos inúmeros vídeos inseridos no YouTube por agências de notícias mineiras nas últimas semanas. Nesse contexto, foi chocante constatar que, segundo o Anuário Estatístico da Previdência Social (AEPS), em 2021, o passivo atuarial ou a dívida previdenciária de Minas era a segunda maior dos estados brasileiros, montando 23,9% do subtotal estadual inclusive DF, que correspondia a R$ 3,1 trilhões, só perdendo para São Paulo, com 24,2% do total. É nesses dois estados que se concentra o problema previdenciário público brasileiro, somando praticamente metade do passivo atuarial total.
Em contraste, o estoque da Dívida Pública Consolidada Líquida Total (DPCLT) dos Estados brasileiros era de R$ 772 bilhões em 2021, bem abaixo do passivo atuarial total de R$ 3,1 trilhões acima citado. Tal tipo de descompasso não ocorre no caso da União, onde a DPCLT era de R$ 4,8 trilhões no mesmo ano, e o déficit atuarial apenas dos regimes próprios era de R$ 1,3 trilhão.
Nessas condições, é hora de as autoridades que acompanham e disciplinam esse assunto reverem profundamente o enfoque que vem sendo adotado nas avaliações das situações financeiras dos vários entes que compõem a federação brasileira, trazendo à tona o gigantesco problema previdenciário que assola o país, e olharem com atenção o passo a passo de casos importantes e bem-sucedidos como o da Prefeitura de São Paulo, e outros em andamento que prometem bastante, como o do estado do Piauí.