Em contraste com a esparsa divulgação e discussão do tema nas últimas décadas, foi com muito alarde que se deu a apresentação e análise dos surpreendentes resultados fiscais apurados recentemente pelo Banco Central, ou seja, as Necessidades de Financiamento do Setor Público (vale dizer: déficits públicos ou NFSP), para a execução financeira dos governos municipais. Obviamente, não dá para resumir tais discussões neste espaço, mas os interessados podem se reportar às matérias do dia 27/12 no caderno de Economia e Negócios do Estadão, e na cobertura especial do Valor no mesmo dia. Vale a pena também ler o Editorial de O Globo sobre o mesmo tema no dia 5/01, e assistir à entrevista que concedi dia 01/01/24 à Band News e pode ser vista no link https://www.youtube.com/watchv?=Yb3S8-gKSFY.

Nesse contexto, se utilizarmos os valores da série respectiva que podem ser obtidos no sítio do Banco Central, para os últimos 12 meses encerrados em novembro de cada ano do período 2015/20, e considerando apenas os resultados “primários”, conceito esse em cuja apuração se exclui o serviço da dívida, o valor médio observado foi praticamente zero, o que implica no pagamento de nenhuma parcela do serviço da dívida municipal com recursos próprios nesse mesmo período, algo que deveria inspirar cuidados especiais das autoridades da área.



Na sequência, se nos movermos à frente na mesma localização da internet até julho de 2023, tal valor médio salta para um superávit médio de R$ 21,9 bilhões, o que poderia ser interpretado como uma significativa melhoria de qualidade da gestão fiscal municipal. Só que, se prosseguirmos na apreciação dos dados mensais, ainda para os últimos 12 meses encerrados em cada um deles, a média cai para um valor negativo ao redor de R$ 11,2 bilhões até novembro de 2023, último dado disponível, ou seja, se encontra um expressivo déficit médio para as gestões municipais como um todo logo em seguida. Resumo da ópera: para os municípios como um todo, tem-se uma situação que inspira cuidados.

Constatado o problema, cabe esclarecer que o principal fator explicativo dessa preocupante situação, que infelizmente tem baixa percepção da parte dos observadores da área macroeconômica, se refere aos elevados e crescentes déficits previdenciários que vêm sendo registrados por esses entes.

Aqui, cabe lembrar que o envelhecimento dos regimes (isto é, os elevados números de beneficiários em relação aos de contribuintes que já foram atingidos) e fatores demográficos (como o de que as pessoas estejam vivendo mais do que anteriormente) têm sido decisivos para explicar os maiores déficits das previdências respectivas. Além disso, deve-se mencionar que a Emenda 103/19, aprovada na última reforma, não obrigou que os demais entes seguissem automaticamente as novas (e mais duras) regras previdenciárias aprovadas pela União para si, muito embora tenha se tornado uma obrigação de todos implementar a tarefa mais complicada que se possa imaginar, que é a do “juízo final”, ou zeragem dos déficits previdenciários respectivos, o que, como seria de se esperar, tem se materializado muito pouco frequentemente na prática.

Passando às desastrosas consequências disso, o pior de tudo é que, se dividirmos a fase 2006-2022 em dois subperíodos, 2006-13 e 2014-22, e por conta da falta de ajuste previdenciário relevante, se vê que o valor real dos investimentos em infraestrutura do conjunto dos entes públicos, que, na primeira subfase, ainda subira bastante (à taxa média real de 6,1% a.a.), na segunda teve crescimento praticamente nulo. Ou seja, é preciso ajustar os desequilíbrios previdenciários de todos esses entes para o país voltar a investir em montantes mais elevados, naquilo em que o setor privado não se sinta atraído para participar, de modo a crescer economicamente a taxas minimamente razoáveis. Na verdade, o que acabou acontecendo foi uma queda expressiva da taxa de crescimento do PIB, segunda e última etapa do desastroso processo. Com efeito, o crescimento do PIB, que havia alcançado a taxa média de 3,1% a.a. em 2007-13, acabou simplesmente despencando para a média zero, entre 2014 e 2022.

Para concluir, uma dúvida que surge aqui e ali é por que motivo, segundo o Banco Central, o conjunto dos municípios vem mostrando resultados fiscais globais tão desfavoráveis comparativamente ao dos estados, onde o conjunto dos entes ainda registrava superávits na mesma época.

Isso tem basicamente a ver com o crescimento real super rápido dos gastos previdenciários municipais nos últimos tempos, bem acima do que ocorria no resto do setor público. Enquanto aqueles cresciam a 12,5% a.a., em média, em 2011-18, nos estados a mesma taxa era de 5,9% (em 2006-18); no Regime Geral (INSS), era de 5,1% (em 2006-20) e no Regime Próprio da União era de 3,1 a.a. (em 2006-21).

 

 

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