A gestão macroeconômica de um país como o nosso costuma se organizar em torno das tendências de crescimento do endividamento público convencional. O que se teme é que o acúmulo de seguidos e elevados déficits públicos financeiros anuais (as chamadas NFSP (Necessidades de Financiamento do Setor Público) possa levar à perda do controle da evolução do endividamento em si, algo que acabe levando mais adiante à explosão da emissão de moeda para servi-lo, sem falar na própria inflação que resultar, essa, sim, que, junto com o desempenho medíocre do PIB ali do lado, seria a mais temida mazela à frente.

 

Não é por outro motivo que os mercados financeiros (e hoje até um governo como o do PT, tradicionalmente orientado em outra direção) joguem o foco de suas análises e soluções (no caso do atual governo, com a ajuda do chamado arcabouço fiscal) sobre a evolução de uma variável como a dívida pública consolidada líquida (DPCL), que, aliás, se buscássemos seu valor em 2021, último dado à mão, encontraríamos a bagatela de R$ 5,7 trilhões (ou 65,5% do PIB).

 

Não dá para debater isso intensamente aqui, mas menos mal que, em que pese seu tamanho, e com o passar do tempo, nossa capacidade de se endividar via títulos da dívida mobiliária tenha passado a ser vista por vários analistas como muito maior do que tradicionalmente se imaginava. Voltarei a esse tema em outra coluna, mas há países – é claro, casos atípicos – onde convivem uma inflação baixa e uma razão dívida/PIB maior que 200%. Ou seja, nesse sentido talvez pudéssemos até relaxar um pouco em relação ao seu tamanho, se decidíssemos adicionar um certo percentual de tolerância sobre o estoque atual dessa dívida.

 



 

Como nem tudo são flores, passo a apresentar aquela que poderia já ter virado a grande preocupação da área macro, até porque nela há algo de muito novo, vale dizer, um cálculo que olha especialmente para a frente (algo ausente no cálculo acima), onde os problemas se mostram cada vez mais agudos. Trata-se da crescente explosão de outro tipo de dívida, a previdenciária (ou o passivo atuarial), que, isoladamente, não só cresceu muito nos últimos tempos, como ameaça crescer mais ainda à frente. Além do mais, ela envolve gastos que carregam um alto grau de exigibilidade, por se tratar de aposentadorias e pensões de cidadãos locais em geral.

 

É fato que o cálculo do passivo atuarial tem muito a ver com o da dívida pública convencional, pois o déficit financeiro anual das previdências está também inserido no das NFSP, só que déficits financeiros elevados podem tanto conviver com projeções atuariais menos facilmente absorvíveis, como com endividamento previdenciário não tão elevado, dependendo da situação específica de cada caso.

 

Nesse contexto, temo que, no caso do Brasil, se não estamos no pior dos mundos, temos um dos mais difíceis. Com efeito, aqui convivem déficits financeiros previdenciários e passivos atuariais bastante elevados. Tanto assim que, além de termos, na visão de muitos pessimistas, dívidas convencionais muito altas, o chamado passivo atuarial atingiu, também em 2021, R$ 0,9 trilhão no conjunto dos municípios, 3,1 trilhões no dos estados; e, finalmente R$ 1,3 trilhão na União, perfazendo o total de R$ 5,3 trilhões, valor esse pouco conhecido, mas muito próximo do da dívida convencional acima mencionada. (É preciso confirmar isso, mas meu sentimento é o de que a tendência recente dos passivos atuariais é fortemente ascendente).

 

Ao mudar a ênfase para o passivo atuarial estaríamos trocando seis por meia dúzia? Temo que, considerando o de que se trata, a troca seja mais complicada do que se possa pensar a princípio. Para ilustrar a alta exigibilidade desse tipo de despesa e a complexidade do assunto, lembro, primeiro, da quebradeira de agências bancárias no Centro do Rio há poucos anos, por suspeita de retenção indevida de recursos que deveriam ser disponibilizados em favor de beneficiários do regime estadual. Por outro lado, do lado bom, cabe destacar não apenas que o passo a passo para fazer o ajuste previdenciário já seja hoje tão bem conhecido, como a obrigação para fazer isso já esteja até inserida na Constituição.

 

Só que, ainda assim, o pior é que existe uma enorme resistência dos entes públicos a enfrentar o ajuste, basicamente, ao que parece, pelo temor de boa parte dos dirigentes do supostamente enorme desgaste político envolvido nisso. Tanto assim que não menos do que 519 entre 2.122 entes públicos existentes conseguiram obter, na Justiça, o direito de não se ajustar, sem ninguém levar em conta que isso implicasse reduzir drasticamente os investimentos em infraestrutura e, portanto, o crescimento do PIB, algo que é obviamente ruim para todos.

 

Isso ocorre simplesmente porque a opção entre cortes é uma só: previdência ou investimentos em infraestrutura. Os demais itens são tão rígidos que nem se cogita de tocar neles. E, dessa forma, o país caminha, se nada mudar, para crescer à mesma média histórica em 12 anos desde 1980: quase 1% ao ano. Ou seja, caminhamos para crescimento quase zero do emprego. Assim, como isso é obviamente prioritário em qualquer governo, só resta, então, equacionar a previdência de verdade sob a rigorosa vigilância de órgãos como os tribunais de contas. 

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