Pressionado para aliviar as finanças dos entes subnacionais, o governo acaba de propor aos governadores uma redução nas taxas dos juros devidos sobre as dívidas estaduais para com a União em troca de usarem o dinheiro economizado no segmento de ensino médio técnico.

Na verdade, como ocorre também em saúde e comparativamente aos demais segmentos do orçamento, os gastos em educação já estão superprotegidos pelas famosas “receitas carimbadas”, que é a exigência de gastos mínimos nesse segmento iguais a um certo percentual da arrecadação dos principais tributos. Nesse sentido, uma parcela certamente relevante dessas vinculações já deve estar se transformando, na prática, em gastos com ensino médio técnico. Por que tais entes aceitariam um aumento obrigatório desse mesmo tipo de gasto quando pode haver outras necessidades mais prementes?

Qual é mesmo o “x” da questão na gestão financeira dos entes subnacionais em nosso país? Aqui devo insistir na tese que venho defendendo sistematicamente de que o nosso maior problema não é o segmento de atuação A ou B, mas sim algo atrelado ao funcionamento da máquina pública, o excesso de gastos previdenciários, que vêm explodindo há anos, pois a legislação brasileira assegurou aos servidores ditos “estáveis” o direito à aposentadoria basicamente integral sob certas condições. (Veja vídeo em https://youtu.be/Qvg8jofu6QQ).

No grupo dos fadados a se esvair estarão os que são os tradicionais candidatos naturais ao ajuste, ou seja, os itens da pauta discricionária – ou a parcela de destinação não obrigatória a qualquer segmento, em que pese poderem ser cruciais para assegurar a obtenção de taxas mínimas de crescimento do PIB em qualquer país. Falo, especificamente, do investimento em infraestrutura. Dado que, obviamente, crescer a economia e os empregos deve ser um dos principais objetivos do país, como os atuais dirigentes públicos vão simplesmente cruzar os braços e assistir à debacle da infraestrutura?

Para completar o raciocínio, cabe apresentar, primeiro, a escalada ascendente dos gastos previdenciários públicos em nosso país. Temo que no caso do Brasil estejamos na pior situação possível: déficits atuariais bastante elevados, sem falar na dívida pública convencionalmente medida. Tanto assim que, se considerarmos uma fase mais recente, para a qual há maior disponibilidade de dados, as taxas médias de crescimento real dos gastos previdenciários de todos os entes foram as seguintes. Municípios: +12,5% (o grupo que cresceu mais em 2011-18); Estados: +5,9% (idem, em 2006-18); 5,1% a.a. (RGPS/INSS); e 3,1% a.a. (RPPS/União). Já quanto aos gigantescos passivos atuariais por grupos de entes, temos os seguintes, para o ano de 2021: R$ 0,9 trilhão no conjunto dos municípios, 3,1 trilhões no dos Estados; e, finalmente R$ 1,3 trilhão na União, Total: R$ 5,3 trilhões, valor esse pouco conhecido, mas muito próximo do da dívida pública consolidada líquida (DPCL), a mais óbvia dívida pública convencional, que, aliás, se buscássemos seu valor também em 2021, último dado à mão, encontraríamos nada menos que R$ 5,7 trilhões (ante 5,3 da outra).

Cabe concluir dizendo primeiro que, se jogarmos a ênfase da análise sobre o conceito de passivo atuarial, como aqui estou sugerindo, estaremos fugindo do procedimento mais comumente adotado nos mercados financeiros (e hoje até por um governo como o do PT, mais e mais orientado naquele mesmo sentido – no caso do atual, com a ajuda do chamado Arcabouço Fiscal), que, a meu ver, tem um foco menos relevante por incidir sobre a dívida pública convencional, sem considerar explicitamente a maior dificuldade do componente previdenciário, que está explodindo à frente, algo que, para o Brasil de hoje, dificultaria muito mais o trabalho de ajuste.

Em segundo lugar, devo registrar que, de 1980 (ano em que a razão investimento público em infraestrutura/PIB tinha sido de 4%, e a de crescimento real do PIB era de não menos do que 8,9% a.a.), a 2022, a primeira dessas taxas caiu para 0,6%, ou seja, caiu 6,5 vezes, graças à disparada dos déficits previdenciários, e a segunda, para apenas 1% a.a., implicando uma queda de 8,9 vezes) em 2022.

Finalmente, não dá para não enfatizar a maior dificuldade de se fazer o ajuste previdenciário do que o dos demais itens, pelo temor de boa parte dos dirigentes do enorme desgaste político que parece envolvido nisso. Tanto assim que não menos do que 519 entre 2.122 entes públicos existentes conseguiram obter, na Justiça, o direito de não se ajustar, sem ninguém levar em conta que isso implicasse reduzir drasticamente os investimentos em infraestrutura e, portanto, o crescimento do PIB, algo que é obviamente ruim para todos. Dessa forma, o país caminha, se nada mudar, para crescer à mesma média histórica em 12 anos desde 1980: quase 1% ao ano. Ou seja, caminhamos para crescimento quase zero do emprego. Assim, como isso é obviamente prioritário em qualquer governo, só resta equacionar a previdência de verdade sob a rigorosa vigilância de órgãos como os tribunais de contas.

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