Vimos há pouco que, por trás da difícil situação fiscal dos municípios estão, principalmente: 1) a disparada dos gastos de sua previdência própria, conforme eu mesmo já vinha enfatizando; 2) algo sobre que eu ainda não havia falado: os reajustes do piso dos professores; e 3) o fato de os municípios receberem, por pressão do governo e do Congresso, cada vez mais funções na área social com menor cobertura financeira, como no caso da Merenda Escolar, onde o que recebem não chega, na média, a R$ 1 por aluno, embora uma merenda decente custasse pelo menos três vezes mais... (um outro exemplo do mesmo tipo se situa no programa Mais Médicos).
Com receitas insuficientes para cobrir as despesas, segue-se uma forte pressão interna para os municípios deixarem de pagar pelo menos três coisas: despesas ligadas às contribuições ao Regime Geral, Precatórios, e despesas ligadas ao Regime Próprio. Ultimamente, a propósito, acumularam-se dívidas ligadas a esses três itens, em torno de R$ 500 bilhões. E daí ser possível entender o porquê da ânsia dos municípios de querer reduzir a alíquota da contribuição patronal para o Regime Geral.
Nesse sentido, cabe indagar por que o município, que é o grande implementador de políticas sociais do Brasil, paga 20% de contribuição para o Regime Geral enquanto um ente filantrópico não paga sequer 1 centavo? Ou enquanto um time de futebol (sem falar no agronegócio) paga muito menos do que os 20%? Para o ente público em causa, isso soa obviamente bastante injusto, porque, afinal de contas, se vêm como os principais implementadores de políticas sociais em nosso país. Ou seja, o “choro” em torno desse assunto soa mais do que justo.
Outra justificativa do pedido de apoio desses entes é a isonomia entre o Regime Próprio e o Regime Geral. Desde a Emenda 20 vem se buscando ter regras iguais nos dois regimes, que antes eram muito diferentes. A Emenda 20, da era FHC, já aproximou isso; a 41, do governo Lula, já as deixou bem próximas, e a 103, de 2019, já as igualou no que diz respeito aos servidores da União. Todavia, a contribuição básica do Regime Próprio, se ele não tem déficit atuarial, é de 14%. Assim, por analogia, a contribuição dos municípios para o Regime Geral deveria ser também 14% (algo que, aliás, a Confederação Nacional dos Municípios defende fortemente).
Porém, a proposta na ordem do dia é: este ano, como já está em 8%, continua nos 8, até para dar um fôlego aos municípios, e vai aumentando progressivamente até estabilizar em 14% (10% em 2025, 12% em 2026, e, a partir de 2027, 14%, que seria a alíquota permanente). Qual a lógica disso? Primeiro uma analogia entre os regimes próprio e geral, e segundo por não fazer sentido que os municípios, que são os grandes implementadores das políticas sociais no Brasil, paguem igual a uma grande empresa do setor privado (seja ela uma big tech ou do setor financeiro, por exemplo). Se a alíquota fosse 20% para todas as empresas, tudo bem. Mas não é. Só é 20% para os setores que não foram agraciados com tratamento diferenciado. Por que os municípios não merecem tal tratamento, se é o grande implementador das políticas sociais do Brasil? O que estão querendo é uma redução de 20 para 14, na lógica de equiparação com o Regime Próprio (20 para 8 talvez estivesse mesmo exagerado).
No momento, diante da gravidade da situação aqui relatada, se inicia a discussão de uma solução que a CNM passou a denominar “PEC da Sustentabilidade Fiscal” dos municípios. Além da desoneração da folha, traz outras medidas importantes para a sustentabilidade fiscal deles: 1) renegociação da dívida com o Regime Geral, em torno de 250 bilhões; 2) renegociação da dívida com precatórios, que é de quase R$ 200 bilhões; 3) equiparação obrigatória das regras de benefícios dos municípios às do regime próprio da União, acerca de idade e regra de cálculo, o que pode reduzir o déficit atuarial deles em R$ 308 bilhões. (Registre-se que como a EC 103 não se aplicou automaticamente aos municípios, só 32% fizeram reforma).
Além disso, propõe-se a colocação de uma nova redação na Constituição para tornar mais claro o aporte de ativos. Matéria já prevista no art.249 da Carta, destina-se a evitar judicialização, algo fundamental para os regimes que têm déficits mais elevados. Além disso, cabe deixar claro que não se deve cobrar o PASEP sobre os recursos do regime próprio. (Hoje ele está sendo cobrado indevidamente da maior parte dos regimes próprios, tudo com base, apenas, em um parecer interno).
Em resumo, em vez de adotar medidas apenas ligadas aos regimes próprios, como seria a praxe, serão duas para o Regime Geral, e uma relacionada com precatórios. Nada obstante, ter-se-ão 3 medidas que acertam ponteiros do Regime Próprio, além de outras de combate a fraudes, que são sempre bem-vindas, inclusive na área de benefícios assistenciais.
Para concluir, a PEC proposta propõe compensações financeiras justas para a União, com destaque para medidas antifraudes, mesmo na área de assistência social.