Desde o início do meu percurso na psicanálise encontrei muita gente interessante e inteligente. Temos aqui em Belo Horizonte um grande contingente de psicanalistas muito bons e comprometidos com a ética.
Isso nos proporciona a oportunidade de conhecer e escutar interessantes trabalhos e pensamentos que nos auxiliam extremamente em nosso caminho, em nossa formação para chegar onde chegamos. Tivemos muito trabalho a fazer, mas durante esse percurso, além do trabalho árduo, temos prazer.
Prazer de aprender, de uma escuta rigorosa para encontrar palavras novas e que, ao serem pinçadas do discurso, surge novo sentido descoberto pela sonoridade, homofonia ou lapsos de linguagem.
Também chegamos a nossos fantasmas, nos desenquadramos, abrimos para o desejo – escolhas são necessárias para não nos perdermos entre vontades e caprichos; não podemos tudo.
Nesta caminhada de longa data, encontrei Elisa Arreguy Maia, psicanalista e doutora em literatura comparada pela UFMG, autora de dois livros – “Meninos e meninas de rua, uma intervenção” (PBH, 2000), em coautoria com a querida Nilza Féres (in memoriam); e “Textualidade Llansol – Literatura e psicanálise” (Scriptum, 2012).
Muitos outros textos de psicanálise publicados no Brasil e no exterior ao longo dos últimos 40 anos demonstram o envolvimento constante de Elisa com o cotidiano, a cidade, a política, a poética e a literatura. Forte presença, estilo singular, trabalhos belíssimos, rigorosos, precisos e preciosos.
A forma delicada e aguda de escrita realça saberes que nos escapam, um novo modo de dizer e iluminar as tão difíceis linhas da psicanálise. O bom escritor como Elisa desperta, toca. Sempre me alegrei ao escutá-la.
Recentemente, encontrei-a com a grata notícia de que em breve lançaria um livro. Fui para casa me lembrando de quantas vezes havia desfrutado de sua fina escrita, e só podia esperar mais do mesmo: a escrita elegante, delicada, política e ética.
Dias depois, recebi o livro “Todas as coisas pelas quais – Instantes de autografia” (Outubro Edições), com projeto gráfico e diagramação primorosos de Paulo Fatal, que foi lançado na sexta-feira, 15 de dezembro, na Quixote.
A orelha é assinada pela jornalista, escritora e editora Clara Arreguy, querida figura que por tantos anos esteve conosco neste jornal. “Não haveria livro sem Paulo Fatal ter embarcado na viagem de Elisa percorrendo com ela as delícias da educação pela letra que ela, Sísifo poeta, assume, mata no peito e requebra, tirando o leitor para dançar no embalo de suas linhas, curvas e gorjeios”, escreve Clara.
O livro é poema, memória, registros de décadas em caderno de notas. Testemunha, segundo Clara, o dom da palavra, o chamado da escrita desde sempre, a transmissão afetiva do vivido, do desejado, do cantado, lembranças agora encadernadas.
Por linhas tortas, letras e cores várias, poemas em curvas, Elisa brinca com as letras – ou quem sabe lrteas?. O amor, o desejo, o mundo (que é a política, a cidade, a chuva), todas as coisas pelas quais o belo se fisga, pluga, engancha e se pendura nas coisas como se gancho fossem, diz a poeta. Notas de uma vida, dias inspirados, leveza que atinge em superfície. Só há superfície onde se prender é se soltar.
Para Elisa, escrever é ler. Ler-se. Parentesco próximo à letra no inconsciente, e soltando o verbo, faz diferença em seu redor.