O filósofo grego Platão escreveu muito. Em “O Banquete”, traz Sócrates, personagem principal de seus diálogos – não se sabe se ele existiu de fato. Era feioso, parecia mendigo, porém a todos seduzia com inteligência e lógica. Era cortejado pelos mais belos efebos de Atenas. Diziam que era como Sileno, uma estatueta feia por fora e de ouro puro por dentro. Por isso era desejado.

 

Falava em praça pública, dialogava com os mestres e autoridades, escutava mais que falava, ao final questionava tudo. Com seu método, chamado maiêutica, desmistificava e derrubava falsas verdades. A feia aparência escondia a sabedoria. Dizem que foi o primeiro analista. A fina escuta pescava as ideias fixadas e sacramentadas, as fantasias inconsistentes até então intocáveis.

 

O trabalho do analista é escutar e desmontar fantasias que o sujeito traz em si como verdades absolutas, ou seja, ficções ou fixações que justificam seu sofrimento, suas repetições – e ele nem sabe estar apoiado em falsos pilares. Falsas ilusões de verdades, quanto mais se jura por elas menos se está certo do que elas são deveras. Muitos nãos fazem os analistas levantarem as orelhas...

 

E não foi diferente o banquete dos famosos oferecido por Agatão. Aconteceu no dia seguinte à grande comemoração pelo prêmio de poesia trágica recebido. Grande e concorrido entre a aristocracia ateniense, inclusive concorria com Aristófanes, inimigo convidado ao banquete.

 



 

Quem faria o mais belo elogio a Eros, o pequeno deus do amor? Um pequeno spoiler do que rolou ali: para Fedro, o amor é uma virtude, grande deus sem pai nem mãe, precedido pelo Caos. Pausânias era um nobre deus que tem alma como objeto, que popularmente se ocupa dos corpos.

 

Erixímaco louva o amor das maravilhas, cuja ação seria universal. Aristófanes, o amor fusão, homem e mulher no mesmo corpo ameaçaram a onipotência do Olimpo e foram cortados ao meio, separados e dispersos, restando apenas a ânsia de se reencontrarem, como hoje querem as almas gêmeas. Do amor idílico, pai da volúpia, o elogio veio de Agatão, blá blá blá analgésico, só para citar alguns.

 

Sócrates ria e tossia. Por incrível que pareça, o Banquete é finalizado com Diotima de Mantineia, apresentada nas palavras de Sócrates. Ela, mulher, sabia mais do que todos sobre o amor!!!

 

Tomando as palavras de Diotima, reverte toda a visão do amor ocidental, dizendo que o amor é enganoso, desejamos o que não temos, não o bom e o belo, mas o que nos falta.

 

O amor visa a imortalidade. Eros, o amor, não é o amado, mas o que ama, o desejante. Ledo engano, porque o que falta ao amante não é o que se encerra no amado. Discordância radical jamais superada no amor. Basta amar para descobrir o vazio.

 

Eros nasceu do encontro de Poros e Penia, a riqueza e a carência. Fim de festa, ele saiu alterado e ela, que mendigava na porta, o seduziu para dele arrancar o filho. O amor vem da riqueza com a falta. Conclusão do Banquete: entra de penetra e bêbado Alcebíades e faz grandes elogios a Sócrates, este não se engana, tira o corpo fora e aponta Agatão, o verdadeiro namorado do penetra.

 

A grande miséria de nossa modernidade é confundir desejo com a vulgar necessidade ou vontade, uma extraordinária máquina de frustração. A fim de liberar o verdadeiro Eros, será preciso reencontrar, escondido pelo cinismo contemporâneo, o entusiasmo do coração puro.

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