"Tempos modernos", de Charles Chaplin, ilustra a desumanização promovida pela engrenagem capitalista

crédito:  Charles Chaplin Productions/Divulgação

 

A psicanálise anda na contramão do sistema. Ela é a única que pode fazer frente ao discurso capitalista. Ele é um operador que impõe a todos um serviço de produção de um valor que está acima do valor atribuído às pessoas. Um sistema que não pode parar, no qual tempo é dinheiro, promete uma satisfação que nunca poderá entregar completamente, ao contrário cria demandas com tanta oferta. Promessa enganosa.

 

Desde a Revolução Industrial a produção em série como mostra o filme “Tempos modernos” (1936) com direção, roteiro e protagonizado por Charles Chaplin, nosso querido Carlitos. Uma comédia crítica de um operário fabril submetido à opressão do modelo de trabalho taylorista e fordista, este mesmo, da indústria automobilística que até hoje circula.

 

Este modelo precedeu à Grande Depressão nos Estados Unidos, em outubro de 1929, com a quebra da bolsa pela acumulação de mercadoria. A lei da oferta e da procura se mostrou eficiente: o excesso da mercadoria derrubou seu valor.

 

 

Carlitos, com uma chave inglesa em cada mão, tinha de apertar parafusos em uma esteira rolante, em ritmo acelerado, e qualquer atraso prejudicava o andamento da engrenagem e fazia um engarrafamento no sistema produtivo. Claro, Carlitos só fazia trapalhadas. É uma crítica de uma situação terrível para o ser humano, desumanizado.

 

Outro exemplo disto é o funcionário público que carimbava documentos sucumbido à depressão e tornando-se um inseto em “A metamorfose”, livro de Franz Kafka.

 

Até hoje o mundo não parou de reproduzir este modelo, com alguma variação, produzindo em massa objetos de desejo para que as pessoas adquiram, substituam suas coisas por outras mais novas e imediatamente todas estão à disposição do cliente, para fazer girar a máquina. O valor maior é o dinheiro e o poder que ele confere e, para isto, as pessoas trabalham para fazer esta máquina operar para lucrar sem parar.

 

Neste caso, vemos que é verdadeira a ideia de que ninguém é insubstituível, não importa quem, apenas façam! Qualquer um é dispensável, importa que o lucro siga ofertando gozo. Alguns anos atrás, um menino, avião do narcotráfico, respondeu à jornalista que não temia a morte violenta, pois, se o matassem, amanhã teria outro em seu lugar. A resposta chocou pela verdade que representa.

 

A negação é um modo de suportarmos o real. De passar ao lado de mendigos, moradores de rua, pedintes no sinal de trânsito e desviar o olhar e, às vezes, até pensando por que aquelas pessoas estão em situação tão extrema. Nunca teremos a resposta para tal pergunta. Nem mesmo a própria pessoa sabe os porquês de sua perdição.

 

Na psicanálise é o avesso. Ninguém é substituível pois nenhum outro falará as mesmas palavras. Porque nenhum outro interpretará a realidade da mesma maneira. Porque cada sujeito é único, e a verdade para cada um é resultado de sua posição, que procede de sua fantasia, que determina seu entendimento, que alimenta seu imaginário e forma seu sintoma e, assim, cada um se arranja como pode.

 

E ninguém que vier a um analista poderá encontrar outra coisa além de uma escuta que não determina o que é o normal, que não espera dele um ideal, não normatiza com base estatística qual a forma correta de ser e estar no mundo.

 

O resultado de uma análise é a singularidade de cada desejo. O destino de uma análise é o desejo, e não o gozo do excesso que, afinal, traz mais angústia do que prazer. O prazer limita o gozo excessivo, que pode nos enlouquecer.