“Já tem um tempo que eu não escuto o medo. Eu o vi impedir a morte poucas vezes, mas a vida, o tempo todo.” Esta frase do escritor Fernando Machado é interessante e faz pensar que viver requer atos de coragem.



Pensar demais, remoer pensamentos circulares repetitivamente, é um grande tormento, muito angustiante. Pensar é inevitável e indispensável, mas a tortura de ficar preso ao pensamento, ao imaginário, causa sofrimento e é masoquismo compulsivo. Tentativa vã de controlar o real.

 

Sair dessa circularidade do pensamento requer coragem. Pontos de basta, alinhavos bem dirigidos e arremates, como quando costuramos. Sem isso não somos sujeitos de nossa vida, somos escravos do medo de viver. Da falta de coragem.

 



 

Assisti a “Druk – Mais uma rodada”, vencedor do Oscar 2021 de melhor filme internacional, comédia dramática dinamarquesa dirigida por Thomas Vinterberg e protagonizada por Mads Mikkelsen. Numa visão única sobre vida, amizade e a busca por significado, ele aborda temas profundos com olhar afiado sobre a cultura do álcool e suas complexidades.

 

“Druk”, disponível na plataforma Netflix, tem uma pegada interessante. Aborda a questão do alcoolismo de forma ambígua, ponto alto do filme. Por um lado, os prejuízos que ele causa na vida do usuário contumaz e, ao mesmo tempo, o despertar de quatro amigos professores que começam a usar a bebida para tornar a vida mais interessante.

 

Expõe a ideia de que nascemos com 0,05% a menos de álcool no sangue – seria preciso repor a taxa para termos coragem de viver e não perdermos coisas que nos faziam felizes na juventude. Coisas que abandonamos no decorrer da luta pela vida, da construção da carreira profissional, casamento, responsabilidade com filhos.

 

Como sabemos, não é pouca coisa. Mas o efeito de tudo isso sobre nós nos faz esquecer daquilo que fomos, com o medo tomando conta das vidas no cotidiano, nos tornando acovardados diante dos desejos de liberdade e alegria, como se eles fossem incompatíveis com a vida adulta. E assim os relegamos.

 

Ora, a vida sem desejo não vale nada. Os quatro começam a manter o uso moderado constante do álcool para lecionar; alguns até iniciavam os alunos. Inicialmente, o experimento traz resultados positivos, mostrando o despertar alegre e prazeroso nas aulas e liberdade maior entre mestres e alunos, mas à medida que ultrapassam os limites, vidas pessoais e profissionais começam a desmoronar.

 

 

Conforme aponta a crítica, vale destacar a estética visual do filme, como na cena em que Martin retoma o controle de sua aula. O leve desfoque da câmera espelha a sensação de embriaguez, criando simbiose entre a linguagem visual e a jornada do protagonista.

 

O filme é brilhante e aponta a busca de significado e satisfação. Na última cena, em que professores e alunos comemoram o encerramento do ano, o personagem de Mads Mikkelsen surpreende, nos fazendo refletir. Nos emocionamos com ele. E esta obra permanece na mente, ecoando as inquietações e alegrias da existência.

compartilhe