Sala de espera no apartamento de Freud em Viena, hoje transformado em museu aberto ao público -  (crédito: ALEX HALADA / AFP)

Sala de espera no apartamento de Freud em Viena, hoje transformado em museu aberto ao público

crédito: ALEX HALADA / AFP

Quando uma pessoa procura uma análise, ela o faz porque tem uma queixa. Ela tem alguma coisa que não sabe nomear, mas provoca mal-estar. Pode ser uma queixa sobre seu parceiro, sobre seu trabalho, sobre seu corpo e seu próprio modo de agir que produz resultados negativos. Não importa. Uma análise se presta a escutar qualquer queixa. Para fazer dela alguma coisa.


Desde antes do nascimento, somos dependentes de cuidados alheios. Quando nascemos, ainda não estamos prontos e nossa prematuridade determina esta dependência por questão de sobrevivência. Se o outro desiste de cuidar de sua cria, ela perece. Dura verdade. Nossa chance é alguém nos adotar.


Conheci uma pessoa que foi abandonada pela mãe no dia seguinte ao seu nascimento. Deixada na rua entregue à própria sorte. E que sorte! Passou um policial militar e escutou seu chorinho. Encontrou aquele bebezinho abandonado e o salvou da morte e do abandono. Anos depois, esta mãe foi localizada, pois havia esquecido a pulseirinha do hospital no bebê com o nome da mãe.


Procurada pela pessoa já adulta com família constituída, a mãe se emocionou. Ela tinha muitos outros filhos e era muito carente, família desestruturada. Ela esperou desta filha reencontrada uma espécie de salvação e cuidado que ela não pode lhe dar.


E como não pode agora ela própria sentiu que deveria se afastar da mãe, pois era demandado dela um socorro que não podia suportar. Nem mesmo tinha no bolso moedas de troca (dinheiro, amor etc.). Este reencontro foi apenas um vazio relançado. Mas com uma compreensão maior de que a sorte lhe havia dado mais do que poderia ter na família biológica.


É triste essa história de vida, porém nos mostra a fragilidade humana e o perigo de perder a própria vida caso alguém não nos queira. Daí esste fantasma aterrorizante quando não nos sentimos amados.


Então crescemos com esse eco residual, esse fantasma dos primeiros anos de vida e continuamos temendo que, sem o outro, alguma coisa terrível pode acontecer, como o abandono, o desamparo. E pode mesmo. Um drama que poderia nos atirar na mais profunda infelicidade e perigo.


O fato de desagradar o outro, mesmo depois de adultos, é um problema recorrente. Uma queixa permanente. Um grande medo de contrariar e perdê-lo irremediavelmente. Tememos por nós. E por isto nos tornamos covardes em dizer não, em seguir nosso próprio desejo, porque significaria quase uma traição passível de castigo e perda. Por isto dizemos que atos são atos de coragem que vêm do desejo.


Reeditamos a infância em muitas ocasiões da vida adulta, registros afetivos do passado sem saber. É disto que se trata na maioria das análises, conteúdos antigos aparecem no percurso atual da pessoa e ela repete, como se ainda estivesse lá, naquele tempo.


Querendo agradar o mundo, completar o outro, servindo, abrindo mão do desejo para não contrariar. Com medo de ir em frente e se arriscar. Este aprisionamento é motivo de sofrimento e queixas.


Por isto o destino de uma análise é o desejo. Desejo mais íntimo e singular que cada um tem dentro de si, e abrir mão dele pelo outro é perder a vida insistindo em ser amado. O mais importante na vida não é ser amado, é ser capaz de amar: dar o que não se tem. Ser capaz de trabalhar e desejar.


Só assim a vida pode adquirir valor maior, pois nós mesmos alcançamos nossa dignidade, mesmo se atirados à própria sorte, como aquela menininha abandonada, embora nem todos alcancem este bem ou saibam fazer melhor do que aqueles de quem dependeram ou nem puderam depender.