O convívio diário com familiares, colegas e conhecidos nos lembra de que somente na fantasia tudo se passa como queremos
 -  (crédito: Frank Rumpenhorst/DPA/AFP)

O convívio diário com familiares, colegas e conhecidos nos lembra de que somente na fantasia tudo se passa como queremos

crédito: Frank Rumpenhorst/DPA/AFP

 

A vida é difícil, nunca disseram que seria fácil. Porém, é bom entender que se trata de um processo complexo em que precisamos ficar ligados, aprendendo, produzindo, resolvendo, não somente as necessidades como também organizando o cotidiano. É um fato inegável.

 


É um processo de resolução constante. E para aqueles que pensam que viver é apenas deixar a vida te levar para onde ela quiser ou ser guiado pelas vontades, as coisas podem se complicar e se atrasar, se embolar, nada rolar e muito a perder.

 

 

Muito perde aquele que acredita que pode deixar tudo nas mãos de Deus e deixa de fazer seu esforço, seu trabalho no que diz respeito à própria vida e a dos outros com quem divide o cotidiano, sejam esposa, filhos, irmãos, sócios, colegas. Todos sofrem com a ineficácia simbólica e o adiamento de tudo.

 


Muito perde quem se ofende e não luta a boa luta, a luta justa, pelos seus direitos e deveres, abandonando suas próprias causas como se não fossem importantes. Vivem a vida de mãos vazias porque perderam o bonde do desejo e agora são indiferentes, talvez a palavra certa seja deprimidos. Pobres criaturas somos nós nestes casos.

 

A vida pode ser maravilhosa e é, mas sob certas condições. Não é gratuito o desfrute prazeroso dela e mesmo as boas vidas têm seus dias difíceis, tristes, acontecimentos inevitáveis. Não passamos pela vida anestesiados nem mesmo consumindo medicamentos poderosos que hoje são ofertados pela indústria farmacêutica, aliados ao acelerado consumismo. Em busca da felicidade, como nos querem fazer crer os que mais lucram.

 

A condição de fruir momentos de felicidade é que andemos em dia. Pode ser tormentoso empurrar com a barriga, deixando para depois o que podemos fazer hoje. É bom findar o dia com o sentimento de satisfação. Podemos assim deitar a cabeça no travesseiro e dormir o sono justo. A menos que sejamos muito alienados e o sono sirva ao propósito de ‘não quero saber’.

 

A cada dia, sua luta. Além disso, há o conviver. Viver com. Filhos, companheiros, amigos, colegas, sempre haverá diferença, um anseio, uma expectativa que nunca se realizará, senão na nossa fantasia. Só na fantasia tudo se passa como queremos.

 

Viver com o outro é conviver com a separação. Não foi à toa que Lacan disse “a relação sexual não existe”. Ele não quis dizer que não fazemos sexo, mas que nem aí há complementariedade. Cada um de nós é um, e só faz par com suas fantasias, tudo que se espera do outro, pouco provavelmente quase nada se realizará completamente, nos indicando a radical diferença. Só que nem sempre aceitamos a prova da realidade.

 

São diferenças de valores, de educação, de pensamento, de desejos, indicando dia a dia que o outro é outro, e até em nós há o infamiliar. Um estranho que não podemos explicar, sequer entender. Que isto não seja motivo para se vitimar.

 

As pessoas vivem sofrendo com a solidão, como se tivessem sido traídas pelos outros, sem compreender que a solitude faz parte e é boa companheira, porque estamos conosco. Se não nos agrada, por que agradaria ao outro?

 

Libertemos nosso próximo da obrigação de nos completar, de queixas incessantes, de suas insuficiências somadas às nossas. Isto não quer dizer que sejamos indiferentes ou pouco afetivos. De forma alguma. Quer dizer respeito acima de tudo. Somos ou deveríamos ser nossa melhor companhia. Afinal, não dá pra fugir do próprio corpo, concorda?