Cada vez que escutamos declarações de pessoas sensatas e inteligentes, alguma coisa nos toca de maneira intensa. É como se as palavras ressoassem em todo nosso corpo fazendo sentido e nos transmitindo a sensação de que aquelas palavras têm um poder de transmissão essencial e verdadeiro.

 




Em duas ocasiões recentes, me dei conta de que depois de escutá-las elas reverberavam fortemente, voltando a aparecer no espaço mental, insistindo em serem lembradas. E não sem motivos. A primeira declaração deste tipo era portadora de evidências que sentimos na pele durante todo este início de ano. Inegavelmente.

 


A declaração do secretário-geral das Organizações das Nações Unidas, António Guterres, foi de extrema elegância em evento de celebração do Dia Mundial do Meio Ambiente, em 5 de junho. Foi um alerta sobre o estado crítico do planeta com os mais altos registros climáticos na história.

 

 


Quem não acompanhou várias regiões do mundo baterem quase 50 graus nos termômetros, estava fora do ar, morno, desidratante. E acrescentando um aparte, o desequilíbrio consecutivo da aridez em polo do mapa enquanto outro submergia em águas intermináveis comovendo todo nosso país.

 


Guterres chamou de momento decisivo no qual o planeta está próximo de ultrapassar o limite de aquecimento global, de 1.5 graus Celsius. Este apelo por uma ação mundial pelo clima foi feito no Salão da Vida Oceânica, no Museu de História Natural de Nova York. Muito apropriado para a mensagem que ele mandou. E mandou bem!

 


O museu é a morada dos esqueletos dos dinossauros gigantes extintos no pior dia da Terra, ou pelo menos, dos últimos 66 milhões de anos. O meteoro atingiu o Pacífico liberando energia equivalente a 10 bombas de Hiroshima e está num trecho de 130 metros de sedimentos de rocha retirados do Golfo do México.

 


Guterres não nos compara aos dinossauros, mas ao meteoro. Nós somos o meteoro. Estamos destruindo o planeta. Forte discurso. Impactante.

 


Outra declaração forte está no filme “A última sessão de Freud”. Ele era judeu, idoso, doente de um câncer que o obrigou a retirar parte do palato e usar uma prótese e sofria dores terríveis. Residia em Viena, sua terra natal, quando foi ocupada pelos nazistas e, apesar de apelos de amigos, recusava-se a abandonar sua casa.

 


Só concordou a ir para Inglaterra, onde viveu seus últimos dias, depois de sua filha, Anna, ser presa pela Gestapo e passar a noite com os nazistas, sendo solta no dia seguinte por interferências políticas e subornos. A “última sessão” foi com o professor de Oxford, o irlandês C.S. Lewis (mais tarde colaborador do mundo de Nárnia).

 


O diálogo entre Freud, um ateu convicto, e o apologista cristão que era Lewis foi maravilhoso. Ele estava presente quando Anna foi levada e Freud disse: “... Hoje vi a cara do ‘monstro’. Vivemos contentes e felizes dentro de cada um de nós, sempre nos alertam cuidado com a fera, com o bicho-papão, agora é tarde demais, não dá pra fugir da fera, ela é nossa certeza moral, nós somos a praga, a fome e a morte. Somos o Apocalipse”.

 


Estas palavras são ditas e repetidas, mas quem as escuta? Freud em seu tempo, um pacifista convicto, sofria pela barbaridade da Segunda Guerra Mundial. Guterres, semana passada, vai no mesmo sentido. E ainda assim a insana pulsão de morte avança devoradora sobre a vida humana.

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