Algumas pessoas têm especial dificuldade em pensar a subjetividade, e a partir daí deixam correr à solta seu modo de lidar com a realidade. Mais cedo ou mais tarde, pagarão a conta por essa alienação. Alguns comportamentos, atitudes e respostas estão associados à história familiar, e toda pessoa carrega o fardo de suas heranças.

 


Como disse o importante escritor Goethe, “aquilo que herdaste de teus pais, conquista-o para fazê-lo teu” (“Fausto”, parte 1, cena 1). Estas palavras parecem dizer o óbvio, porém a passagem do pai ao filho não é tão simples. Não se refere apenas a bens materiais, mas a traços do pai que por identificação passam a ser assumidas pelo filho como seus. É como carregar a marca do outro pela vida afora – mas não há uma escolha, é algo captado sem ciência.

 



 


Na análise, o dizer nem sempre é regido pela capacidade racional e consciente do sujeito. O dizer sempre está prenhe de um outro sentido, e a escuta atenta pode revelá-lo. Esse novo sentido paralelo àquilo que então se podia identificar como seu modo de ser e pensar estava em outra instância, da qual o sujeito nada sabe.

 


Não sabe o que fala, diz mais do que fala, e descobre que guarda em si muito mais do que conhece. Mas ao se deparar com esse conteúdo até então ignorado, reconhece algo profundamente seu. Admite fazer um sentido que esclarece tantos embaraços, inibições, dificuldades que antes pareciam fio solto na sua história.

 


Mas o fio solto é apenas a terceira margem do rio da sua vida. Ele não sabia que sabia o que lhe é mais íntimo e singular. Mas que só ele pode saber e que só pode ser escutado porque ele o diz ou age nele, mesmo sem saber.

 

 


Isso não é totalmente desconhecido das pessoas, é o motivo do receio de ir ao analista. Há temor em descortinar verdades que estão como que adormecidas e implicam, muitas vezes, na revelação de conteúdos conflituosos de um passado, de uma história que “melhor seria” esquecer, deixar quieta.

 


Aquilo que jaz inconsciente pode ser esquecido. Porém, não se esquece de nós e retorna em atos repetidos que mais impedem o encontro da pessoa com o seu desejo original porque está soterrada naquilo que do outro foi recebido, muitas vezes imposto, e que por respeito ou amor foi adotado como dele.

 


Por baixo desta montagem está o que é seu e nem sempre pode admitir ou assumir como verdade radicalmente sua, e que, uma vez conhecida, não pode mais ser contida, contestada, nem por si próprio e nem para os grandes outros que o cercam e sempre lhe exigiram sustentar ideais que não são os seus. São os traços do outro que até então sustentávamos que devem cair. Carregamos a mala que é do outro.

 


Adotamos como nossos os traços e ideais de um influente grande Outro, mas, na verdade, o que somos e desejamos corre paralelo a essas verdades “impostas”. Provavelmente, temos receio e resistência em deixar cair o véu que nos separa do que somos por termos de nos deparar com nosso próprio desejo, que deve ser aquilo com o qual uma vez encontrado não poderá ser reenviado para debaixo do tapete da consciência. Isso implica perdas e separações, mas são bem-vindas, nos descarregam do peso extra.

 


Sem revelar nosso desejo singular, seja ele qual for – porque não escolhemos o que desejamos, e muitas vezes nem queremos o que desejamos –, significa arcar com as consequências de ser o que se é. Podemos fazer o que quisermos com este desejo, inclusive decidir o que dele não nos convém. Pois ele não obedece a regras ou mesmo a leis ou à moral. Por isso, nem tudo podemos. Há limites a serem respeitados. Mas esta decisão, quando sabemos com o que lidamos, torna-se consistente e nos permite uma pacificação para conviver, fazer laços, adotar posturas que levem em conta uma vida que valha a pena.

 


Assim estaremos seguros de que agimos em conformidade com o que nos trará realizações, bem como estaremos além do aprisionamento em um sintoma causado por um desejo que não se pode revelar nem a si mesmo. Será possível levar em conta os desejos possíveis que nos trazem alegrias e satisfação. Fora isso, vivemos privados de nós mesmos.

 

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