Não cabe a mim julgar ou condenar alguém que nem mesmo acompanho, com quem jamais tive qualquer contato. Porém, a ocasião nos oferece uma oportunidade de tentar compreender como se dão situações embaraçosas, até mesmo criminosas, frequentes no âmbito social e familiar – geralmente, não reveladas na ocasião.

 

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Acontece muito mais do que se supõe. Sobre assédios e abusos sexuais paira um culposo e envergonhado silêncio. Podemos constatar isso porque quando há denúncia, quase sempre outras vítimas que se calaram se encorajam e agregam depoimentos que ficaram abandonados num cantinho da lembrança. Sofridos e nunca esquecidos.

 



 


O que podemos dizer é que o abuso é uma compulsão em que o sujeito não perde nenhuma oportunidade. Ou assédio ou violência, pois é escravo da vontade de fruição experimentada ao submeter alguém. Ele corre o risco de vexame quando age em público confiando no pudor da vítima ao se calar.

 


É como se estivesse sempre à espreita, sempre preparado, com foco no objetivo que é gozar do corpo do outro sem consentimento. Ao se deparar com pessoa vulnerável, com necessidades especiais, adolescentes, crianças, mulheres em público ou não, em locais impróprios, ele não pode se poupar deste gozo.

 


A compulsão não pode ser evitada, a vontade de gozo é maior do que o juízo crítico. Não havendo perigo de ser flagrado, o perverso repete seu ato infinitamente. Um incurável. Estruturalmente sem a proteção da lei que não foi interiorizada, não há impedimento legal.

 

O que fazer quando a perversão parece generalizada?

 


Incurável porque faltou o sacrifício do gozo pleno do tudo que quiser. Da insubmissão à lei moral. A repressão que em nós foi assimilada, esse sujeito perverso e pervertido não assimilou.

 

Fantasias de caráter sexual são frequentes, mas reprimidas por adotarmos os ideais da cultura, renunciando a realizações imorais, indecentes e criminosas. O corpo é habitado pela sexualidade, que, estimulada, produz sensações despertadas involuntariamente, comprometendo a saúde psíquica da vítima, que se envergonha do episódio como se tivesse corroborado. Só que não foi assim.

 

Para o fetichista, o exibicionista, o sádico, o masoquista, o violentador e o molestador, conter-se é quase impossível. Traços de sadismo e masoquismo são comuns em todos nós em certa proporção, mas não nos submetem. Ao perverso sim. Ele só para quando há risco de ser pego. Incrível a coragem do sujeito.

 


Esse tipo de atitude, a que chamamos denegação, é uma forma de defesa contra a castração. São três respostas que podemos “escolher” diante do que nos é vetado na entrada da vida social. Mesmo sob protestos, a castração é própria dos que chamamos neuróticos, os “normais”, ou seja, a maioria de nós. Acatamos as leis da cultura e os sacrifícios que elas nos impõem e nos detemos. Renunciamos àquilo que é antissocial.

 

Para os psicóticos, chamados popularmente loucos, doentes mentais, o mecanismo diante da castração é a forclusão. Eles criam realidade paralela, não estão submetidos às leis da linguagem e da cultura como nós. Sofrem, muitas vezes, surtos dolorosos que devem ser tratados com todo respeito e cuidado. Precisam de tratamento, proteção e ajuda.

 

Mas o perverso é um gozador compulsivo, que se apraz em se realizar em detrimento da lei e do outro. Sabe e burla. Deve ser contido pela força da lei – de preferência, detido, impedido, porque sempre mira a oportunidade para saciar toda vontade.

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