Exigimos tanto de todos, e de nós mesmos, que frequentemente nos angustiamos. E o motivo está em nossas altas exigências, que têm como efeito a frustração. Elas nos constrangem e coíbem, mais do que o perceptível pela consciência. A ponto de não podermos sentir.

 

 

Um exemplo dessas situações tratadas pelo juízo crítico, sempre cruel exagerado, implacável, nos apresenta um paradoxo. O caso: um acidente, a pessoa se machucou consideravelmente, não com fraturas, mas com consideráveis escoriações na lateral do corpo.

 



 

Véspera de férias, passagens para a praia e o dilema sobre o que fazer. Não aceitou adiar ou cancelar. Houve um prejuízo material, físico e psíquico. Entretanto, ao contrário de se acolher e se permitir ficar triste por tantos contratempos, se reprovava por estar sofrendo, chorando. Afinal estava viva e era ingrata.

 

Recebia de seus familiares consolo e cuidado necessário, mas também palavras. Palavras são capazes de causar efeitos marcantes, vivificam tanto quanto mortificam. E nem sempre as pessoas têm esse peso e medida muito claros. Reforçavam que não deveria sofrer e sim ficar feliz e aliviada porque estava viva!

 

 

O acontecimento devia deixá-la feliz, dando graças? De fato, é inegável que assim é. Se tivesse morrido não sofreria mais. Até onde sabemos, a morte é o fim da linha e de todas as alegrias e tristezas, do peso do corpo e da vida. É a volta ao inorgânico.

 

Durante a vida, há esforço e é penoso, e o que desejamos é voltar ao repouso. Ao alívio da luta pela vida. Porque a vida é movimento, tensão em quantidades variáveis e incômodas, também de qualidades de excitações prazerosas.

 

 

Neste sobe e desce das energias vitais, vivemos entre prazer e desprazer, nossos reguladores de humor, um balanço necessário para continuar. As sensações de prazer e desprazer nos obrigam a agir para nos aliviar e descarregar o excesso da tensão desprazerosa, obtendo alívio do incômodo. Angústia existencial e sofrimento fazem parte da vida. Todo excesso excita nosso núcleo masoquista, parte da agressividade volta-se contra o eu, como se fosse alheio.

 

Como uma pessoa que sofreu prejuízo pode não achar isto muito ruim? Racionalizações negacionistas são engolir dor. Ser feliz hoje é obrigatório, negamos o sentimento. Ninguém pode dizer ao outro o que ele deve ou não sentir. Esta medida não tem bula, nem receita. O que traz dor a um, passa batido em outro. Assumir o genuíno sentimento é saudável. Um acidente é ruim, traumático e é natural se aborrecer. Podemos sentir sem culpa. Podemos sentir o que há para sentir – alegria, prazeres e desprazeres são naturais e desejáveis.

 

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Sentir uma dor psíquica relativa e proporcional ao que acontece é saudável. A gente sofre porque está vivo, e sente desprazer. E é também por estar vivo que se sente prazer quando a situação nos agrada. Simples assim, sem culpa. É permitido sentir!

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