Para defender sua tese de doutorado na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE-BH), intitulada “Teologia Negra Decolonial”, o escritor, professor e pesquisador Rafael Pinto escolheu a obra de Carolina Maria de Jesus, catadora de papel, moradora na comunidade de Canindé em São Paulo.

 

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O livro “Quarto de despejo – Diário de uma favelada” (Ática) revela o triste e cruel cotidiano da autora com três filhos. Sua “vida escrita”, descoberta pelo jornalista Audálio Dantas em 1958, tinha a força da literatura verdade. Da escrita em cadernos encardidos pelo tempo, ela retirou forças para viver dia após dia lutando contra a mais fiel companheira: a fome.

 



 

Em sua pesquisa, Rafael lança mão do método barthesiano de ler e recortar a vida no escrito: o biografema. Método que vai além da biografia, inclui o desejo do autor que atravessa a obra, a letra que o representa. Rafael ousa um passo a mais e propõe o método “teobiografemático” para explicitar os vestígios da passagem de Deus na “vida escrita” da autora mineira.

 

Carolina de Jesus atravessada pelo desejo de escrita, assim como a experiência mística de Santa Teresa de Jesus, que sentiu o corpo trespassado por “um dardo de ouro”. Tomando a escrita como alimento, dizia: “Creio que não poderei viver sem escrever”.

 

Rafael sistematiza as contribuições carolineanas para uma Teologia Negra Decolonial: a experiência do deserto, a experiência de Deus e a experiência profética. Considerando o deserto como um lugar desabitado de Cam (filho de Noé, que foi amaldiçoado reiteradamente pelo pai a ser escravo de seus irmãos), mencionado por Carolina de Jesus como “profeta Cam”.

 

 

Em virtude da condição de escravizado, assim como Cristo, que “se despojou, tomando a forma de escravo”, e a partir da nomeação do apóstolo Paulo: “Cristo é escravo”. Escravizado pelo despojamento, ato de solidariedade radical de libertação das correntes da injustiça e da opressão.

 


Nesse sentido, aproxima a experiência da “vida escrita” de Carolina de Jesus da “experiência profética”, na sua dupla dimensão de denúncia e anúncio: denúncia das agruras e anúncio da esperança e da liberdade.

 

 

Palavras de Rafael: “No ato de liberdade, poder escolher a vida que se quer viver. Escrever e viver e vice-versa: escrever-se nas letras, escrever o desejo, escrever o próprio nome, escrever diferentes gêneros literários, escrever as agruras, escrever a esperança, escrever a liberdade, escrever o corpo negro. Escrever o 'corpo memorial', um corpo gerado, segundo Walter Mignolo, pelos 'corpos marcados pela ferida colonial'. Escrever, pois, no dizer de Ruth Silviano Brandão, 'no pulsar do sangue que faz bater o coração na ponta dos dedos, na superfície das páginas', no quarto de desejo. A vida que nos envolve, motivada pelo desejo, é entrelaçada por um trabalho inspirado na 'vida escrita' de Carolina de Jesus, a partir da qual convocamos diversos autores e autoras. É a vida que perdura e persiste. É a energia que vibra nas mãos dos que escrevem. É a textualidade vivente, quer dizer, em constante movimento!”.

 


Rafael Pinto foi aprovado pela comissão examinadora composta pelos professores doutores da FAJE Sinivaldo Silva Tavares (orientador), Francisco das Chagas de Albuquerque (presidente), Francys Silvestrini Adão e Elio Estanislau Gasda (suplente), e os visitantes doutora Lúcia Castello Branco (UFMG) e doutor André Luís de Araújo (PUC-Rio), que, agora em Belo Horizonte, na direção do Colégio Loyola, lança um belo livro poema: “O peregrino Inácio de Loyola” (Edições Loyola), com ilustrações de Vladimir Barros.

 

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