Nascemos do ventre de nossas mães, gerados e aparelhados para o ambiente aeróbico, mas de resto zero. Chegamos imaturos e amparados por braços alheios, sobrevivemos.
Nossas condições neurológicas e físicas ainda deverão passar por meses de desenvolvimento para articular palavras e para o aparelho motor se ajustar. A gente não nasce guiado por instintos. Temos de fazer escolhas e tomar decisões sem garantias.
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Ainda serão muitos anos para ficarmos independentes. Isso não quer dizer sair do desamparo. O sentimento de desamparo experimentado na infância retorna ao enfrentarmos o novo, separações ou ameaças. Somos assombrados durante toda vida – a mortalidade corrobora com esse fantasma.
No Brasil, temos experimentado um tipo de desamparo no âmbito social e político. A tentativa de golpe frustrada, felizmente, foi um passo para outra ditadura militar ou para a extrema direita teocrática.
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O retorno ao conservadorismo é claro, como mostrou a “lei do aborto”, que, de fato, como protestam as mulheres, beneficiou o estuprador. A mídia afirma que golpistas serão presos, mas depois de tantas experiências frustradas, cabe a nós um belo pé atrás. Sem sofrer consequências, as portas estarão abertas para novas tramas.
Por falta de coesão das esquerdas, não temos mais movimentos sociais expressivos que se oponham ao avanço da direita. A classe trabalhadora vem se dissolvendo e perdendo terreno para o empreendedorismo e já não se reúnem esquerdas. Cada esquerda tem rótulo próprio, sua causa, mas não agrega geral.
Os movimentos sociais são insuficientes para fazer oposição e, como disse o professor Vladimir Safatle, a esquerda morreu. As autoridades e a sociedade não se detêm em debates sobre o que acontece na realidade, por exemplo, as ações antiecológicas das mineradoras, as queimadas, suas consequências e teor político; o agronegócio, que planta para exportação de soja, açúcar e capim, e bateu recordes de faturamento, como pensam muitos, não põe comida na mesa do brasileiro. Quem o faz é a agricultura familiar, prova disso é que a fome cresceu. E o preço não caiu como é de praxe quando há fartura.
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Os poucos debates se restringem às vésperas de eleições e ofensas viris mútuas, que pouco oferecem em termos de propostas importantes, planos de governo, projetos inovadores etc. É o Brasil.
Não temos novos nomes em quem apostaríamos nem novas propostas e se tivéssemos, provavelmente não vingariam. E por quê? Porque a esquerda se pulverizou sem coesão para fazer oposição consistente e democratizar.
Como disse em entrevista recente a filósofa, escritora e professora da Universidade de São Paulo (USP), Marilena Chaui, o Brasil não é uma democracia, segue sendo um país conservador e violento.
Trevas é o que podemos dizer sobre este mundo atual. A mudança civilizacional produzida pela realidade virtual, ainda segundo Chaui, descorporificou relações. Elas se dão na tela, em tempo imediato, o patrão é invisível, a “uberização” do trabalhador e o “autônomo”, nunca tão escravo.