
Comer e beber nas novelas de TV
Leonor (Beth Faria), em "Labirinto", importa trufas brancas de Alba para o seu réveillon na cobertura da Avenida Atlântica
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Como quase todo mundo da minha geração, já fui noveleiro. Antes da internet, do celular e do vídeo cassete, era a forma de entretenimento da família.
As histórias, em geral, eram boas, os autores escreviam sozinhos mais de duzentos capítulos, eletrizavam o país inteiro, influenciavam o comportamento, geravam moda e as trilhas sonoras eram compostas por gente como Toquinho e Vinicius, Tom Jobim, Chico Buarque e Rita Lee, com a produção de Nelson Mota e Guto Graça Melo. Têm todo o meu respeito.
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As histórias eram ousadas. O “Rebu” de Bráulio Pedroso se passava numa única noite, numa festa onde ocorre um assassinato. Até o meio da novela, não se sabia quem tinha morrido, quem tinha matado e o porquê. No final, o homem assassinado era uma mulher de smoking, namorada do rapaz que era amante do dono da casa. E isso muito antes de “The White Lotus”.
Janete Clair era um fenômeno, com tramas densas e personagens icônicos com nomes exóticos como Herculano Quintanilha e Maria Faz Favor. Meu pai me dizia que o casamento dela com Dias Gomes, que escrevia temas subversivos, era a prova de que se podia ser casado com diferenças. Coisa difícil hoje em dia.
Referências ao comer e beber estavam em toda a parte. Em “Gabriela”, havia o famoso quibe do bar Vesúvio do turco Nacib. Quando estive em Ilhéus, fui até o Vesúvio e constatei que nem sempre a vida imita a arte.
“Champagne” e “Marron Glacé” foram nomes de novelas. A cena da guerra de bolos de Fernanda Montenegro e Paulo Autran em “Guerra dos Sexos” é lendária. Dona Xepa cozinhava com restos de feira e dava vontade de comer nas cozinhas com fogão a lenha das novelas de Benedito Ruy Barbosa.
Gilberto Braga renovou o gênero, seus diálogos são primorosos, era um gênio da dramaturgia, criando novelas como “Dancing Days” e “Vale Tudo”. A novela “Força de Um Desejo” é um primor de texto e interpretação. A pretendente a baronesa, mulher do mascate Higino, chamando de Madalena Arrependida a proustiana Madeleine, é muito boa.
“Rainha da Sucata” mostrava a socialite decadente Laurinha Figueiroa (Glória Menezes) apaixonada pelo enteado que, por dinheiro, se casa com a sucateira Maria do Carmo (Regina Duarte). É hilário quando a cunhada de Laurinha, Isabelle de Bresson (Cleyde Yáconis), dá aulas de etiqueta a Maria do Carmo, censurando-a por ser muito alegre: “Gente fina não é assim, é preciso um tom 'noir' pela vida, um tom de tédio. Ser feliz é coisa de gente pobre”.
Isabelle explica que não se deve pedir comida condimentada em restaurantes: comida baiana nem pensar e feijoada nunca! Sugere alcachofras, aspargos e champignons. E Laurinha humilha a rival dizendo que seu ambiente natural seriam as mais vulgares churrascarias.
Leonor (Beth Faria), em “Labirinto”, importa trufas brancas de Alba para o seu réveillon na cobertura da Avenida Atlântica. A cafetina de luxo Olga (Fernanda Montenegro), em “O Dono do Mundo”, oferece vinho do Porto a um pretendente de suas meninas.
Havia Beth Goulart querendo chegar ao Leblon, mas morando em Copacabana, bajulando o rapaz enófilo endinheirado pretendente da filha e a sobrinha interesseira (Marieta Severo), em “Pátria Minha”, organizando o menu semanal da mansão de Raul Pelegrini (Tarcísio Meira).
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Houve uma cena em que Beatriz Segall vivia uma arrivista falida que tenta se casar com um viúvo rico. Este, por provocação, só lhe servia comida simples. Ela retruca dizendo saber ser ele refinado e que gostava mesmo era de comer diariamente faisão com cerejas. A resposta é boa: faisão com cerejas todo dia enjoa, arroz e feijão não. Concordo.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.