O historiador grego Políbio, que viveu no segundo século antes da Era Cristã, escreveu que todas as formas de governo são destruídas pelo seu próprio excesso. Ao longo dos muitos séculos que se seguiram a história parece ter dado razão àquela intuição. Monarquias, ditaduras e repúblicas em todos os tempos e em todos os lugares ruíram quase sempre por causa das suas próprias extravagâncias e pela perda do senso de realidade. Quem passar os olhos pela tumultuada história dos regimes políticos, do império romano à monarquia francesa do século 18 e ao império soviético, vai perceber como essas estruturas de força e poder caíram a um leve sopro, como um mero castelo de cartas.

Qualquer forma de governo sobrevive pelo medo ou pelo consentimento. Sociedades governadas pela força e pela intimidação parecem muito estáveis na superfície, mas pressões subterrâneas têm um poder de corrosão que com o tempo podem destruir as estruturas mais resistentes. Por isto, até as tiranias buscam cultivar a confiança dos governados. Se o regime deixa de entregar bem-estar e prosperidade e se a imagem dos governantes perde a aura de severidade e contenção, mesmo com todo o aparato de segurança o regime rapidamente desmorona sem resistência.

Nas democracias, onde o consentimento é a única fonte do poder, os laços de confiança têm que ser fortes e constantemente alimentados pelas instituições da representatividade. O momento ideal das democracias são os tempos de prosperidade econômica e de mobilidade social. Diante da estagnação econômica e do congelamento da pirâmide social, as instituições e os homens que a dirigem precisam dar provas contundentes de virtude, de integridade e de despojamento, pois do contrário a população se entregará ao primeiro demagogo que falar a língua dos indignados.


Olhando especificamente para o Brasil, as nossas instituições democráticas e os homens que compõem as organizações que exercem o Poder, com raras exceções, perderam o senso da realidade. Não tem qualquer sentido de missão e exercem o poder como um fim em si mesmo. Entre nós o Poder e a sociedade são dois países diferentes, com poucas relações entre si.

O próprio Poder do Estado está em crise em razão dos seus excessos. O Poder Legislativo, na União e nos Estados, tem ultrapassado suas fronteiras, tornando cada vez mais difícil para o Executivo governar. Graças a um sistema eleitoral que dificulta ao eleitor saber em quem verdadeiramente está votando e a um sistema partidário que mais se assemelha a uma franquia comercial, o Legislativo não representa a população. Apesar disso, imobiliza presidente, governadores e prefeitos e se assenhora de parte substancial dos orçamentos, sem qualquer orientação estratégica. Governos parlamentares dão ao Parlamento, além de poder, responsabilidade, em caso de erro ou fracasso. Poder sem responsabilidade leva naturalmente a excessos. O modelo em que vivemos não pode dar certo e alguma consequência haverá.

Do outro lado da Praça dos Três Poderes, infelizmente, os excessos não são a exceção. Nossa Constituição deve ser a mais extensa do mundo, dando às mais comezinhas questões o elevado status constitucional. Em razão disso nossa Corte Constitucional pode apreciar praticamente qualquer assunto, pois sempre haverá uma norma específica ou um princípio geral para justificar, tornando-a praticamente uma quarta instância em nosso sistema judicial. Pode, mas não deveria, e apenas o faz para realçar o seu poder, transformando-se num elemento central na governança do país. Nunca foi esse o papel do Poder Judiciário em uma democracia.

Os excessos constantes e generalizados do Poder Legislativo e da cúpula do Poder Judiciário comprimiram o espaço do Poder Executivo, impedindo-o de governar com um mínimo necessário de autonomia. Num país fortemente polarizado, no qual metade da população torce contra o governo, quase ninguém adverte contra o perigo deste desequilíbrio.

É difícil, ou mesmo inútil, tentar prever o futuro. Uma coisa, no entanto, é certa: nenhum excesso dura para sempre.

 

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