Se a dupla Trump-Vance ganhar as eleições, o papel dos Estados Unidos no mundo, segundo suas próprias palavras, vai mudar radicalmente -  (crédito: JIM WATSON/AFP)

Se a dupla Trump-Vance ganhar as eleições, o papel dos Estados Unidos no mundo, segundo suas próprias palavras, vai mudar radicalmente

crédito: JIM WATSON/AFP


No dia 5 de novembro os Estados Unidos vão eleger um novo presidente e um novo Congresso. A princípio, estas eleições deveriam interessar apenas aos americanos. Dadas as circunstâncias geopolíticas e a natureza das divisões na política americana, no entanto, o resultado pode representar uma mudança muito grande na ordem internacional. Em 2006, quando ainda era o primeiro-ministro do Reino Unido, Tony Blair observou que o século 21 estava assistindo ao esvaziamento das linhas tradicionais esquerda-direita. Em seu lugar, a grande divisão estava se tornando “aberto contra fechado”. Passadas quase duas décadas, aquela observação demonstrou ser um fato incontestável.

O mundo hoje está claramente dividido entre países governados por regimes autoritários com inspiração no nacionalismo e nos valores do passado histórico, e países democráticos abertos ao comércio, à globalização e às mudanças. Entre os dois grupos predomina um razoável equilíbrio de poder, o que de certa forma contém dentro de limites as tensões desestabilizadoras. Não fora isso, a Rússia já teria ocupado toda a Ucrânia e estaria ameaçando seus vizinhos na fronteira europeia e o Oriente Médio já seria cenário de um conflito generalizado.

Este equilíbrio, no entanto, é precário, especialmente porque no campo democrático o papel de cada país na ordem internacional depende de como suas populações definem seu interesse nacional. Nos regimes autoritários, estas questões se decidem sem qualquer consulta à sociedade. Na Europa ou nos Estados Unidos que, pela força de suas economias e de suas forças armadas, têm poder para contrapor-se à prevalência do mundo autoritário, a definição do interesse nacional é decidida em eleições, cada dia mais polarizadas. Nas últimas eleições francesas, por exemplo, a eventual vitória da aliança de Marine Le Pen levaria à desunião da União Europeia em sua resistência à invasão da Ucrânia e ao apaziguamento nas relações com a Rússia de Putin.

Numa escala muito maior, as próximas eleições americanas são uma verdadeira encruzilhada para o mundo democrático. Para o próprio povo americano o que estará em jogo são outras coisas, outros temas e conflitos de ordem interna, principalmente nas áreas da economia, dos costumes e da imigração. No plano da política externa, democratas e republicanos até recentemente compartilhavam a mesma visão do mundo. Neste momento, essas visões não poderiam ser mais diferentes e contrastantes. O historiador das presidências americanas Timothy Naftali, da Universidade de Columbia, numa entrevista esta semana, observou que quando numa superpotência a definição do interesse nacional pode ser alterada por uma eleição, o que é algo de que nunca se teve notícia até hoje, a incerteza se dissemina em toda a ordem internacional. É o caso precisamente que está em vias de ocorrer nos Estados Unidos.

Se a dupla Trump-Vance ganhar as eleições, o papel dos Estados Unidos no mundo, segundo suas próprias palavras, vai mudar radicalmente. Sua política externa não vai fazer concessões ao internacionalismo e às alianças, as relações com a Europa e, consequentemente, seu papel na defesa da Ucrânia serão reformulados, seu apoio à política atual de Israel será incondicional, mesmo com o risco de uma conflagração mais generalizada no Oriente Médio e sua relação com a China será de antagonismo aberto, especialmente no campo do comércio. Estas posturas terão o efeito de desarmar o campo dos países democráticos e liberais em sua relação com o mundo dos países autoritários e de desmontar a estrutura do comércio internacional, desencadeando uma barragem protecionista que prejudicará a maior parte das economias do mundo. Não temos o direito de nos intrometer nas questões domésticas de qualquer país, pois cada povo deve ser livre para escolher o seu destino, mas não podemos ter nenhuma dúvida de que a vitória dessas ideias será um golpe muito duro no interesse nacional brasileiro. Torcer para que isso aconteça é a prova de que a política e razão raramente andam juntas.