Este ano de 2024 está se mostrando uma grande vitrine da democracia. Tivemos eleições na Índia, no Reino Unido e na França. No mundo dos países de regime autoritário, como a Rússia e a China, tudo se passa como se nada estivesse acontecendo. Lá reina a paz dos cemitérios e qualquer voz que se eleve é logo silenciada, às vezes para sempre. Nas democracias, ao contrário, reina o vozerio e o movimento, porque a população é livre para eleger ou derrotar os governos sem temer pela sua vida, seus bens ou sua liberdade.

 




Os resultados das eleições já concluídas nos permitem algumas conclusões. A primeira é que em nenhuma parte a maioria da população está satisfeita com a situação em que está vivendo e com o governo que está no poder. A evolução da economia capitalista combinada com as novas tecnologias da informação tem trazido grandes mudanças na vida das pessoas e os sistemas políticos estão se tornando anacrônicos. As esferas da vida econômica e social e a da política estão muito separadas, vivendo em planos diferentes. Para se adaptar às mudanças da vida real os sistemas políticos teriam que se reformar, mas os políticos em toda a parte prometem mudar tudo, menos o sistema que os elege.


A consequência desta dissonância é o descontentamento com os governos e até com a democracia. Nas principais eleições deste ano os eleitores votaram contra os governos. Na Índia, um país de 900 milhões de eleitores, numa eleição toda própria, que dura 44 dias, o partido do governo, com todo o peso da máquina administrativa, perdeu 60 cadeiras e teve que se aliar a outros partidos para se manter no poder.

 

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Na França e no Reino Unido, além de votar contra o governo, a população demonstrou uma clara indecisão em relação a todos os lados em disputa. No Reino Unido, o Partido Trabalhista obteve uma vitória ampla e clara, mas o resultado foi em grande parte influenciado pelo sistema eleitoral, distrital em turno único. O partido obteve 412 cadeiras, o equivalente a 63% do total, mas se formos verificar o total de votos populares, o partido teve 33,8% dos votos. Somados os votos do Partido Conservador com os do Partido Reformista, ambos de direita, temos 38% dos votos, ou seja, entre o conjunto dos eleitores a margem é praticamente inexistente. O sistema eleitoral, não o voto popular, definiu o resultado final. Isto nos leva a uma segunda conclusão: há um grande equilíbrio entre as forças políticas e a população não parece inclinada a proporcionar maiorias claras a nenhum dos lados. Mas os sistemas eleitorais frequentemente distorcem a vontade popular, como é o caso aqui e especialmente dos Estados Unidos.


A eleição na Franca é outra vitrine interessante de observar. Embora nossa imprensa tenha alardeado uma grande vitória da esquerda, não foi exatamente isto o que ocorreu. A Assembleia Francesa tem 577 cadeiras e a maioria para governar é de 289 cadeiras. A aliança de esquerda obteve 182 cadeiras, 31% do total e 107 cadeiras a menos que o necessário para governar. A aliança de Centro, do atual governo Macron, elegeu 168 deputados, apenas 14 a menos que a aliança de esquerda. A aliança de extrema direita elegeu 143 deputados, muito aquém da maioria prometida nas pesquisas, enquanto que a direita moderada, do partido Republicanos, mais próximo do Centro, elegeu 45. Ao final o partido do presidente perdeu 82 cadeiras, que foram transferidas para as duas alianças mais extremas, à direita e à esquerda. O saldo final é que os franceses votaram contra o governo, mas não quiseram delegar o poder a nenhum dos lados, sinal de falta de confiança em todos os grupos em disputa.


Em todo o mundo, e também no Brasil, o quadro é muito parecido. As agendas da direita e da esquerda buscam canalizar a cólera do homem comum e propõem agendas irrealizáveis para seduzi-lo. O Centro procura resolver problemas numa perspectiva puramente técnica e por isto não inspira os eleitores e ao recusar fantasias exaspera a maioria da população.


Aonde isto nos levará, além do impasse e das frustrações?

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