O Brasil sempre foi um país difícil de ser interpretado e compreendido. Em todos os aspectos da vida, as teorias universais sempre precisaram de uma certa tropicalização antes de serem aplicadas com proveito aos nossos grandes problemas.


Vejam o exemplo da nossa vitória sobre a inflação. A arquitetura do Plano Real não foi inspirada em nenhum dos modelos correntes à época. Foi uma invenção inteiramente nova e brasileira. Depois dele, a compreensão da inflação nunca mais foi a mesma. Enquanto insistimos nos modelos ortodoxos, ditados nas grandes universidades americanas só conhecemos fracassos.

 




Agora mesmo estamos nos defrontando com seguidas surpresas com o crescimento da economia. Desde o fim da pandemia, as previsões dos especialistas do mercado financeiro e da maioria das consultorias para o crescimento do PIB tem sido sistematicamente ultrapassadas. O nosso país parece que está vivendo um ciclo de crescimento relativamente alto em relação ao mundo, contrariando a sabedoria convencional. Nossa população parou de crescer e perdemos o chamado bônus demográfico, a partir do qual o crescimento depende exclusivamente do aumento da produtividade. A produtividade, por sua vez, depende do aumento dos investimentos, o que definitivamente não está ocorrendo no Brasil.

Sempre dizem que nosso ambiente de negócios não favorece o investimento privado e o investimento público está fora de cogitação por causa da má situação fiscal. Portando, não podemos crescer.

 

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No entanto, temos crescido desde 2021 a uma média de 3% ao ano e há projeções indicando que de 2024 a 2026 vamos continuar crescendo em torno desta média, mesmo com os juros básicos por volta de 7% em termos reais, coisa incompreensível para qualquer estrangeiro. Com esta política monetária qualquer país do mundo estaria imerso numa grande recessão. Dois textos que pude ler esta semana me ajudaram a esclarecer a questão. Um deles foi um trabalho do Poder 360, do excelente jornalista Fernando Rodrigues e outro foi um artigo no jornal Valor, dos economistas Ricardo Barboza e Bráulio Borges.


No trabalho do Poder 360 tomamos conhecimento do tamanho e da evolução recente dos programas federais de transferência de renda. Em 2024 o valor destas transferências vai alcançar 397 bilhões de reais, basicamente com o Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada. Em 2004 este valor não passava de 10 bilhões. Enquanto a inflação neste período foi de 193%, os programas foram multiplicados por 40 vezes. O número de beneficiados e o valor dos benefícios foram substancialmente elevados em 2022, durante as eleições, por iniciativa do governo Bolsonaro e o apoio integral dos políticos de esquerda. O tamanho desses programas, a que se deve adicionar o volume de gastos com as aposentadorias rurais, não contributivas, que vão custar este ano 194 bilhões, praticamente esgota a capacidade fiscal do Estado brasileiro. Cerca de 80 milhões de brasileiros, 40% da população está sob a proteção dessas transferências.

 

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O artigo do “Valor” explica que a política fiscal depois da pandemia mudou sua postura, pisando no acelerador e aumentando as transferências sociais em relação a outras despesas. Estas transferências diretas têm um efeito multiplicador na economia muito maior que o de outros tipos de despesa. Gastando mais e alocando mais recursos para essas transferências, a política fiscal acaba exercendo um forte impulso no PIB, contrabalançando os efeitos contracionistas da política monetária.

 

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Parece que estamos crescendo e, ao mesmo tempo, diminuindo a pobreza, sem muito esforço. Só que milagres são raros. Ao contrário do Plano Real, esta trajetória não é sustentável. O Estado brasileiro está no limite de sua capacidade fiscal e o parque produtivo, para atender o consumo, precisa de novos investimentos. Daqui para a frente não há outra escolha, para tristeza dos populistas da direita e da esquerda. Só o investimento, a inovação e o aumento da produtividade podem garantir um crescimento que dure mais do que uns poucos anos. Somos diferentes, mas nem tanto!

 
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