Na política, em qualquer tempo, as narrativas são mais importantes do que os fatos e sempre prevalecem sobre eles. O que diferencia a política tradicional da política de hoje é que, até o advento da internet, as narrativas eram controladas por poucos grupos dominantes, enquanto atualmente a formação das narrativas é dispersa e desordenada, brotando ninguém sabe donde e criando pautas que não se resolvem pela razão. Por isso, a política sempre corre o risco de sair do controle.
Todo sistema político se organiza para garantir sua permanência e com este propósito procura se adaptar às mudanças no ambiente social, mudando o que for necessário para que tudo permaneça fundamentalmente como está. Neste aspecto, o sistema político brasileiro está se aproximando da perfeição. Com omissões e iniciativas legislativas e com o auxílio luxuoso do Poder Judiciário, os grupos dominantes da política brasileira criaram um sistema em que, em qualquer circunstância, os vencedores são sempre os mesmos. As últimas eleições municipais foram o coroamento, o momento máximo de afirmação do sistema.
O grande recado das urnas de 2024 não tem nada de ideológico, mas também não sinaliza, por si mesmo, nenhum movimento para a moderação e o equilíbrio. Nem nós dá qualquer indicação sobre as próximas eleições presidenciais, o único momento realmente plebiscitário da nossa organização política, quando os grupos dominantes perdem o controle do processo e a população afirma sua voz sem intermediações.
As eleições municipais transcorreram sob o signo da continuidade. Venceram os que já estavam no poder, com uma taxa de reeleição de 82%. É muito difícil acreditar que este índice de reeleição possa significar que todas estas vitórias sejam apenas o resultado de ótimas administrações.
Em alguns casos, certamente sim, mas é improvável que o seja em todos. A verdade que transparece é que está se tornando muito difícil ser oposição. As leis que limitam o espaço das campanhas e o efeito dos recursos das emendas parlamentares, que só beneficiam quem está no Executivo, estão tornando as eleições municipais menos competitivas do que seria desejável na democracia. Sem falar que os recursos para financiamento das campanhas estão nas mãos dos partidos majoritários. Nesta lógica, os majoritários de ontem são os majoritários de hoje e certamente também os de amanhã.
O voto nos prefeitos não antecipa o voto para presidente daqui a dois anos, mas antecipa, com certeza, a composição do Congresso Nacional e, portanto, grande parte do controle do poder. A continuidade nas eleições municipais será sem dúvida amplificada nas eleições parlamentares. Os partidos que controlam a grande maioria das prefeituras elegerão a maioria dos deputados, graças ao apoio dos prefeitos e vereadores, mas também das novas emendas parlamentares e do quase monopólio que exercem sobre os fundos partidários de financiamento eleitoral. O novo Congresso de 2026 já está em grande parte constituído, à espera de quem será o presidente da República. Há toda uma lógica de continuidade, mesmo quando reina insatisfação.
Em outubro de 2026, o povo elegerá o presidente, sem maior influência dos partidos ou dos políticos, totalmente irrelevantes para o eleitor, porque não significam nada, nem representam nada. No entanto, uma vez no poder, o presidente vai descobrir que para governar terá que repartir o governo com velhas maiorias legislativas, sempre as mesmas e sempre desconectadas dos sentimentos e dos valores que venceram as eleições, sejam eles bons ou não.
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Este modelo de governança é do agrado dos grupos que dominam a economia e as finanças, porque parece ser uma garantia contra mudanças políticas imprudentes que trazem incertezas aos negócios privados. Eleições democráticas na era da informação podem produzir governos irracionais ou insanos, de que o mundo está cheio de exemplos.
No entanto, a conservação das mesmas maiorias e a blindagem das instituições contra as mudanças é o que melhor explica porque somos pobres e desiguais.