Todas as democracias do mundo estão passando pelo duro teste de conviver com as mudanças tecnológicas que transformaram a vida humana. Muitos governos nacionais estabelecidos estão sofrendo de altos índices de reprovação e perdendo as eleições. Está cada vez mais difícil entregar o que as populações desejam e os candidatos prometem. Com a multiplicação das informações as demandas também se multiplicaram, enquanto a capacidade fiscal dos Estados está se aproximando do limite. Enquanto isto os regimes autoritários parecem, pelo menos de longe, paraísos de estabilidade.
Mesmo os países mais ricos estão sendo expostos aos rigores das limitações fiscais. Nos Estados Unidos a dívida pública está se aproximando de 100% do PIB, o valor astronômico de 36,2 trilhões de dólares. O Congresso estipulou um teto para o aumento da dívida, que o futuro Presidente tentou suspender e não conseguiu. Em artigo recente na revista “Economist”, um respeitado guru do mercado financeiro, Jeffrey Gundlach, projeta que em 2034 apenas o serviço da dívida vai consumir 45% de toda a receita de impostos, o que estará muito próximo de uma catástrofe que abalará as finanças de todo o mundo. Só para efeito de comparação, o PIB total do Brasil é de 2 trilhões de dólares.
Na França, com um déficit médio de 6% do PIB ao ano, o governo Macron tenta aprovar um orçamento que corta despesas para tornar a dívida sustentável. Em resposta as formações de direita e de esquerda no Parlamento, que controlam dois terços das cadeiras, já derrubou um Primeiro-Ministro e ninguém sabe o que vai cair primeiro, o déficit ou o novo governo.
Na Alemanha o governo socialdemocrata acaba de sofrer um voto de desconfiança e novas eleições quase certamente elegerão a oposição, cujo governo ninguém pode assegurar que durará o suficiente para manter o país devidamente governado.
Em todos esses três casos, os governos sucumbem à impotência do Estado ou aos seus próprios defeitos, mas do outro lado há uma oposição organizada partidariamente, com identidade política plenamente reconhecida, com quadros profissionais aptos a exercer a gestão do Estado. No futuro haverá certamente novas mudanças, mas tudo transcorrendo numa certa ordem, pelo menos por enquanto.
O mundo mudou muito e as democracias vão precisar de se reinventar para assegurar ao mesmo tempo liberdade aos cidadãos, mas também uma gestão da economia e da sociedade capaz de manter o equilíbrio social e a coesão nacional. Vão ser necessários novos líderes à altura de competir com os populismos, os nacionalismos e as tentações autoritárias. Em caso contrário o mundo ocidental poderá regredir à barbárie que dominou quase a metade do século XX. A História já nos ensinou que nada está garantido para sempre.
O Brasil vive o mesmo problema, mas em condições bastante piores. Nosso sistema político desintegrou-se e não é mais capaz de organizar o governo do país nem oferecer uma identidade política, em torno da qual as pessoas possam se agrupar e se mobilizar. Não há uma alternativa visível ao governo. Quase todos os partidos são governo, não para governar e participar de uma competição de ideias e visões. Todos estão no governo para extrair recursos e poderes em troca da governabilidade.
Entre nós nenhum partido tem força popular para disputar a Presidência, nem se preocupa com isto. O máximo Poder da República é disputado por personalidades que procuram falar ao mais amplo espectro da opinião pública, sem comprometer-se com qualquer programa ou um horizonte estratégico. Os partidos simplesmente aguardam o resultado das eleições para oferecer os votos da governabilidade no Parlamento, em troca das riquezas do poder.
Siga nosso canal no WhatsApp e receba em primeira mão notícias relevantes para o seu dia
Tornou-se moda dizer que nossas instituições funcionam plenamente. A verdade é que o funcionamento dos Poderes nos dá a impressão de que seus agentes perderam completamente a esperança e as ilusões e diante de um futuro sem promessas tratam de extrair do presente tudo o que podem apanhar, como retirantes em fuga.